Faleceu no dia 11 de junho, a cantora francesa Françoise Hardy, aos 80 anos. Ela enfrentava um câncer na faringe. A morte foi confirmada por seu filho, Thomas Duntroc, nas redes sociais:
Hardy estava doente havia quase duas décadas, quando recebeu o diagnóstico de um câncer no sistema linfático, o que a levou a se afastar da carreira artística. O tumor na faringe seria descoberto em 2019, dificultando sua vida cotidiana. Em 2023, Françoise chegou a escrever uma carta, pedindo o direito a eutanásia, para colocar um fim na sua luta contra a doença. A carta direcionada ao presidente francês Emmanuel Macron, pedia que o mesmo legalizasse a eutanásia na França. O texto foi publicado pelo jornal “La Tribune”, no dia 17 de dezembro, e Françoise afirmava querer pôr um fim em sua vida. “Privada de saliva há três anos por 45 sessões de radioterapia, estou constantemente a sofrer de problemas respiratórios, de asfixia e sufocação, para não falar das intermináveis hemorragias nasais. Não tenho medo de morrer, mas tenho muito, muito medo de sofrer. Quero partir em breve e de maneira rápida”, dizia um trecho.
Mulher de intenso fulgor, a artista derramou a própria beleza na música, na moda e no cinema. Ela encontrou a arte na melancolia, fundindo seu sofrimento numa poética alicerçada em paixões tórridas, amores desastrados e em tentativas desesperadas de recuperar a alegria dos verões à beira-mar. Hardy unificou o seu repertório em uma simplicidade estrutural, que conjugava a natureza intimista dos álbuns à linguagem pop. Ela ajudou a virar a “chanson” do avesso, tendo sido uma integrante do movimento iê-iê-iê.
Françoise Hardy nasceu em 17 de janeiro de 1944 em Paris, filha de mãe solteira e pai ausente. Esta difícil situação familiar desenvolve-se nos seus complexos e sentimentalismo que marcaram as suas primeiras canções e depois toda a sua obra. Ela descobriu o rock no rádio e, aos 17 anos, ganhou uma guitarra que aprendeu a tocar sozinha. Em 1961, ela fez um teste na “Disques Vogue” onde assinou um contrato. Ao mesmo tempo, ingressou no “Petit Conservatoire de Mireille” (programa francês de variedades de rádio e televisão, criado e apresentado na forma de uma aula de canto) para aperfeiçoar sua arte. Seu primeiro single foi lançado em 1962. Entre as 4 faixas está uma música que ela cantou uma noite na televisão: “Tous les Garçons et les Filles”. O sucesso dessa música florida e nostálgica foi imediato: um milhão de cópias foram vendidas em poucos meses. Afora o sucesso comercial, Hardy lançava ali os fundamentos de seu projeto artístico. “Tous les Garçons et les Filles” tinha o ar naïf, típico do rock iê-iê-iê, que, numa narrativa cinematográfica, contrastava com o seu sentimentalismo poético.
Nesse contraste, Hardy prenunciou o pessimismo romântico, aprofundado na sequência de sua discografia. Na época, ela captou o desejo dos jovens, que sonhavam em ter um namorico no portão, como se desfolhassem uma margarida: bem me quer, mal me quer. Também estabeleceu sua imagem, o corpo magro, os cabelos castanhos e os olhos claros, como um padrão de beleza a ser tanto imitado pelas garotas como fetichizado pelos meninos imberbes.
Hardy alcançaria novamente o êxito comercial com “Temps de l’Amour”, presente no mesmo disco, uma composição de Jacques Dutronc. Nessa faixa, a artista repetia a fórmula do sucesso. Ela vislumbrava uma realidade ideal, onde finalmente encontrava o amor, para depois dizer que tudo não passava de uma lembrança. Na melancolia, o tempo passado se tornava uma fuga do sofrimento.
Em seu segundo disco, lançado em 1963 e que também tinha o seu nome, “Le Premier Bonheur du Jour” falava de uma alegria encontrada no vento, no mar ou no canto de um pássaro, não sem deixar no final, um rastro melancólico com a imagem de uma lâmpada apagada.
A nova ídola juvenil francesa também estava se tornando famosa na Europa e em lugares distantes como os Estados Unidos e o Japão, graças a um repertório em vários idiomas, realizando turnês (começando no Olympia em 1963) e fazendo algumas aparições no cinema. Em 1963, foi Ophélie no filme “Castelos da Suécia”, de Roger Vadim. Fez ainda uma ponta em “O que é que há, Gatinha?” (1965), de Woody Allen, e atuou em “Une Balle au Coeur” (1966), de Jean-Daniel Pollet, e “Masculino e Feminino” (1966), de Jean-Luc Godard. Entre os longas que usaram sua música como trilha, o destaque é “Moonrise Kingdom” (2012), de Wes Anderson.
Em setembro de 1964, Françoise Hardy veio ao Brasil pela primeira vez. Fez shows em São Paulo e no Rio de Janeiro. Curiosamente, nesta viagem a cantora estava acompanhada de sua mãe, Madeleine. O fato é relatado pela imprensa brasileira da época.
O seu companheiro, o fotógrafo Jean-Marie Perrier, molda o seu carácter envolvendo jovens designers da moda como Courrèges, Saint Laurent ou Rabanne. A partir de 1967, formou um casal glamoroso, mas tumultuado, com Jacques Dutronc, com quem se casou em 1981.
Retornou ao Brasil em 1968, defendedo a canção de sua autoria “À Quoi Ça Sert” no 3º Festival Internacional da Canção Popular, no Rio de Janeiro, sendo convidada para integrar o júri do evento no ano seguinte. Na volta à França, gravou em francês a canção vencedora do festival, “Sabiá”, (“La Mesange”) de Antônio Carlos Jobim e Chico Buarque de Países Baixos. O álbum em que esta gravação está presente, “Comment Te Dire Adieu”, tem como faixa título uma canção estadunidense reescrita e rearranjada por Serge Gainsbourg, que torna-se um dos maiores hits da cantora. Ela também gravou o disco “La Question” com a presença da violonista brasileira Tuca.
O final dos anos 1960 e o início dos anos 1970 foram marcados por um questionamento da sua carreira como artista: após incessantes turnês que a levaram até a África, decidiu abandonar os palcos e o cinema. Seu filho, Thomas, nasceu em 1973, e Hardy se apaixonou pela astrologia, assunto sobre o qual no futuro escreveria livros e a levou a participar de um programa de rádio na década de 1980. Gravou canções mais ambiciosas associando-se a diferentes autores e compositores que lhe deram faixas inesquecíveis como “Comment te Dire Adieu” (1969), de Serge Gainsbourg, e “Message Personnel” (1973), de Michel Berger, que relançou seu sucesso discográfico.
Foi assim que em 1975, ela abordou um jovem letrista que estava fazendo sucesso com seu trabalho para Christophe e Patrick Juvet: Jean-Michel Jarre, que demonstrava seu duplo talento como autor e compositor. Com Jarre, Hardy gravou o single QUE VAS-TU FAIRE ?, que foi lançado na França, Itália e Portugal. Jarre é o compositor da faixa-título do lado A, e letrista e compositor da faixa do lado B, LE COMPTE À REBOURS.
“Gostei muito de trabalhar com Jean-Michel Jarre. Ele é caloroso, dinâmico e muito paciente. Ele sabe o que quer e atinge seus objetivos com a gentileza e o charme que sabemos que ele tem. Mas gravamos apenas duas músicas juntos: ‘Que vas-tu faire ?’ da qual ele compôs a melodia e eu o texto, e cuja atmosfera lembrava a de suas produções com Christophe, e ‘Le Compte à Rebours’ que não me dizia muito e que me deu problemas terríveis de implementação. O single não funcionou, não sei por quê. ‘Que vas-tu faire ?’ me pareceu um título muito forte, no qual eu dizia coisas que estavam no meu coração”, disse Hardy durante uma entrevista em 1986.
Em entrevista publicada no ano de 2016, Jean-Michel Jarre comentou: “Adoro a Françoise e me lembro das sessões em que ela apareceu de uma forma muito estranha: na época, ela era apaixonada por tricô. E, obviamente, ela já gostava de astrologia. Lembro que estávamos tão atrasados que terminei o arranjo na fase de masterização, o que é muito raro. Eu levei um órgão para a gravação. Só tive uma chance porque estávamos gravando o que seria o disco no estúdio de madrugada. Ela tinha uma peculiaridade: quando não gostava de uma música, ia para o rádio e dizia isso. Tive sorte dela ter gostado dessa.”
Na moda, Hardy mudou o código de vestimenta de seu tempo, atuando no processo de emancipação feminino. Afinal, seus anos de maior produtividade como compositora coincidiram com uma ebulição feminista na França. Hardy popularizou o uso de minissaias, que deixava o corpo da mulher mais à mostra. O look, que se tornou fenômeno, se completava com as longas botas brancase uma franjinha no cabelo.
A artista vestia Dior, Yves Saint-Laurent, André Courrèges e foi a mulher escolhida por Paco Rabanne para usar aquele célebre vestido dourado, todo dividido em quadradinhos. A forma geométrica se combinava à elegância discreta da modelo. Ao lado de Jane Birkin e Catherine Deneuve, Hardy mostrou que ser chique é ser simples.
No ano passado, ela ficou em 162º lugar na lista das “200 melhores cantores de todos os tempos” da revista americana “Rolling Stone”, sendo a única artista da França a aparecer na lista.
“Françoise,
A elegância dos seus sussurros harmoniosos ressoará para sempre nos corações de meninos e meninas de todas as idades.” (Jean-Michel Jare – 11/06/2024)
R.I.P. Françoise Hardy (17/01/1944 – 11/06/2024)
Fonte: agências internacionais
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