“Independent” encontra o pioneiro da música eletrônica para discutir seu novo álbum ‘Oxymore’, seu pai compositor ausente, e por que David Guetta é como o seu “irmãozinho”.
É uma tarde ensolarada em Paris, e eu estou sentado na famosa Maison de la Radio, sede da Radio France, e olhando para o Sena através da Torre Eiffel na companhia de Jean-Michel Jarre. O pioneiro da música eletrônica, que ganhou fama internacional em 1976 com seu álbum Oxygene, está usando óculos levemente coloridos, uma camiseta preta e calça jeans skinny. Ele parece pelo menos duas décadas mais jovem do que seus 74 anos.
Tinha 28 anos quando fez o cultuado álbum independente que se tornou um clássico. Jean-Michel Jarre percorreu um longo caminho desde então. “Oxygene” foi gravado em um sintetizador que “parecia uma central telefônica”, uma máquina primitiva de tambores Korg modificada com Sellotape (marca britânica de fita transparente, à base de polipropileno e sensível à pressão), e um velho Mellotron que tinha apenas algumas teclas funcionais. Quase cinco décadas e 80 milhões de álbuns vendidos depois, estamos almoçando depois de ouvir Oxymore, seu 22º álbum de estúdio, em áudio espacial de 360°. Isso significa que a música é tocada através de 29 alto-falantes dispostos para que eles cerquem o ouvinte. “Há décadas temos uma relação frontal com a música”, diz Jarre. “É a mesma relação que você tem com a pintura e com a tecnologia moderna. Você pode voltar a uma maneira muito natural de ouvir música. Estou convencido de que isso será um divisor de águas total.”
As origens do Oxymore são de 2015, quando Jarre deveria colaborar com Pierry Henry (1927-2017), uma das figuras fundamentais da música eletrônica e um dos primeiros defensores da musique concrète (música concreta), um gênero de composição que utiliza sons gravados como matéria-prima e de instrumentos musicais para gravações de campo. Os dois pretendiam trabalhar juntos no projeto “Electronica” de Jarre, que foi lançado como um álbum duplo (The Time Machine, em 2015 e The Heart of Noise, em 2016). Porém, a colaboração não aconteceu, pois Henry faleceu em 2017. “Alguns meses após sua morte, entrei em contato com sua viúva”, diz Jarre. “Ela me disse que Henry havia deixado alguns sons para mim, caso eu quisesse fazer algo com eles um dia”. Foram esses fragmentos de sons que Jarre usou como ponto de partida para o novo disco, que Jarre espera não apenas homenagear Henry, mas também destacar a influência contínua da música concreta.
“Esses caras tiveram uma grande influência sobre como estamos fazendo música hoje em dia, seja hip-hop, ou punk, ou rock, ou música eletrônica. Eles abriram o campo de amostragem quando estavam saindo com um microfone e um gravador gravando os sons da vida e mixando com instrumentos acústicos. Eles criaram várias coisas [que são usadas] hoje em dia pelos DJs, como fazer ‘scratch’, tocar vinil ao contrário e samplear. Somos todos filhos desses caras”, diz Jarre que sempre se considerou uma dessas crianças.
Jarre tinha 10 anos e morava em Lyon, no centro da França, depois que seus pais se separaram. Foi quando seu avô lhe deu um gravador. Seu pai, Maurice Jarre (1924-2009), foi um compositor de trilhas sonoras de filmes que havia partido para os EUA. “Meu pai estava totalmente ausente, focado em seu trabalho e ignorando sua família.”
O jovem Jean-Michel passava horas em sua varanda gravando os sons da rua. Ele não sabia disso na época, mas era uma abordagem muito semelhante ao que Henry havia feito com sua música concreta. Jarre mais tarde estudou composição musical clássica e, no final dos anos 1960, liderou uma banda proto-punk chamada The Dustbins. “Foi nessa época que visitei a Radio France pela primeira vez. Eu tocava em uma banda e o pai do baterista trabalhava aqui como jornalista musical. Lembro-me de roubar osciladores e filtros dos estúdios da rádio para fazer música.”
Jarre lançou seu primeiro álbum solo, Deserted Palace, em 1972, mas foi com “Oxygene” e sua ‘artwork’ com a Terra descascando revelando um crânio, que ele se transformou em uma estrela global da música eletrônica. Foi recusado por todas as grandes gravadoras antes de, eventualmente, ser lançado por uma gravadora francesa no inverno de 1976. “Lembro-me de estar na Champs-Élysées e ver Elton John saindo de uma loja de discos com 10 cópias debaixo do braço. Meu editor, que estava comigo, disse: ‘Acho que isso vai ser um sucesso'”, recorda. O álbum venderia 12 milhões de cópias e Jean-Michel continuou inovando com sua arte de fazer barulho nos álbuns subsequentes. Houve um eco de música concreta no Zoolook de 1984: foi construído a partir de gravações de vozes humanas em 30 idiomas, que ele manipulou eletronicamente.
Jarre foi influenciado em sua música não apenas por nomes como Henry e a banda eletrônica alemã Tangerine Dream, mas também pelo trabalho de pintores expressionistas abstratos americanos. “Jackson Pollock sempre foi uma grande fonte de inspiração. Sempre achei que o expressionismo abstrato era menos intelectual do que as paisagens. Quando você lida com texturas e formas onduladas, você está trabalhando de uma maneira muito sensual, quase sexual. Em vez de chamar de pintura abstrata, deveria ser chamada de pintura concreta”, diz ele.
Os concertos ao vivo de Jarre são lendários. Ele foi o primeiro artista ocidental a ser convidado para se apresentar na República Popular da China e tocou para multidões gigantescas: um concerto em Paris foi assistido por 2,5 milhões de pessoas, e outro em Moscou, sete anos depois, foi testemunhado por 3,5 milhões. Ele me conta que essas performances épicas foram inspiradas pela ópera: “É o fato de você ter músicos colaborando com carpinteiros e pintores apenas para aprimorar e visualizar suas músicas. A música eletrônica era muito abstrata para o público, então pensei que minha música também deveria ser influenciada pela ópera. Eu precisava me cercar dos carpinteiros da minha geração: designers de iluminação, artistas de vídeo e projecionistas.”
Nos últimos anos, Jarre abraçou as possibilidades da Realidade Virtual – ele tocou em uma Notre Dame virtual no Réveillon de 2020 e, para o novo álbum, criou um novo espaço de Realidade Virtual onde pode se apresentar na frente de avatares de todo o mundo. Será que isso significa que, no pós-pandemia, os tempos dos mega-shows ao vivo acabaram? “Mudamos paradigmas”, diz. “Mudamos nossa relação com o mundo exterior e nos preocupamos muito mais com o meio ambiente. Nada vai substituir [a experiência ao vivo], mas a VR deve ser considerada como um modo de expressão em si, como outra possibilidade”. Ele me conta sobre uma performance recente de Realidade Virtual, durante a qual ele tocou o novo álbum e depois conheceu seu público virtual. “Havia uma garota de Manchester que dançou a noite toda”, lembra ele. “Comecei a conversar com ela e ela me disse que estava tetraplégica. Esta foi a primeira vez que ela estava compartilhando um evento ao vivo com outras pessoas.”
O entusiasmo de Jarre pelo futuro, como soa e como pode parecer, é particularmente impressionante, já que ele faz música há meio século e está no estágio em que pouco ou nada resta para provar. “Há um aspecto misterioso na criatividade. Não entendo o que fiz e não sei como fiz. Ainda me sinto um menino travesso na frente de seus novos brinquedos”. Ele pode não ter certeza de como fez isso, mas sua música foi citada como influência por artistas como Moby, que lembra: “Quando ouvi Oxygene pela primeira vez, parecia que vinha de um universo diferente”. O compositor de filmes Hans Zimmer disse sobre Jarre: “Não acho que exista um músico eletrônico que não seja influenciado por ele”. Gary Numan disse uma vez que “ele começou tudo e todos estamos apenas seguindo o que ele começou”. Pergunto a Jarre o que ele acha da próxima geração de DJs franceses, como David Guetta: “Eles são como meus irmãos mais novos, mas estão mais do lado pop, produzindo músicas com vocalistas. O que é um talento, mas é diferente da minha música, que tem raízes em composições de música clássica”.
“Oxymore” é o sétimo álbum de Jarre em sete anos – uma aceleração na produção que é em parte devido a uma consciência de que o tempo não está do seu lado. “Sua relação com o tempo muda. Enquanto seus pais estiverem vivos, você pensa no tempo passando. Quando seus pais não estão mais aqui, você pensa no tempo em termos do tempo que você deixou. É um divisor de águas e você é o próximo da fila, e começa a pensar: ‘Eu tenho que começar a completar o que eu tenho em mente’.”
Não é apenas envelhecer que explica sua produtividade. Jarre falou no passado sobre a música ser um vício. “É uma paixão que consome tudo. Pode soar muito egoísta, mas prefiro passar mais tempo com máquinas do que com seres humanos”, diz. Jarre pode dizer que prefere passar tempo com máquinas, mas pessoalmente, ele é uma tremenda companhia. Nossa conversa estava programada para durar uma hora, mas se estende por três horas e só termina porque ele tem uma consulta no hospital e não pode faltar. A obsessão obstinada de Jarre pela música inevitavelmente vem com um preço. E o fato de Jarre ter se casado quatro vezes, incluindo um casamento de 20 anos com Charlotte Rampling que terminou em 1997, pode não ser completamente desconectado. As alegações de infidelidade não podem ter ajudado.
“Perdi muitas coisas: como passar mais tempo com meus filhos, passar mais tempo com minha família, como minha mãe, que era uma mulher fantástica e sei que perdi momentos muito importantes com ela. Eu parecia um pouco como um pirralho mimado, porque eu tinha uma escolha e de certa forma eu não fiz. É um caminho que você segue, você não tem escolha. Se você quer ter uma vida tranquila e uma vida privada confortável, então não se torne um músico”. Lembrei-lhe que ele disse exatamente essas palavras em uma entrevista de 2017. “É uma espécie de piada”, ele admite. “Eu tenho muita sorte. Tenho uma excelente relação com minha companheira [a atriz chinesa Gong Li]. Estamos juntos há sete anos e ela é uma pessoa extraordinária. Recentemente conversei com meu filho mais novo [ele tem três filhos adultos] e ele disse que sentia que eu sempre estava lá para ele. Então talvez seja sobre o que eu preciso em vez do que ele precisava.”
E o que Jarre precisa mais do que tudo é continuar fazendo música. O tempo é curto e ele não tem tempo para olhar para trás. “A nostalgia é muito negativa para a mente humana”, diz ele. “Ficar preso na nostalgia é triste… É um pouco doentio. Eu sinto pena daqueles que estão com medo do futuro.”
“Oxymore” sai em 21 de outubro.
Fonte: Independent
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