Reportagem do Complete Music Update (CMU) – Reino Unido – 23/04/2020
Algumas conversas interessantes aconteceram entre os geeks de direitos autorais nos últimos dias, sobre uma proposta feita por Jean-Michel Jarre durante um debate online organizado pela UNESCO na semana passada: a introdução de um copyright eterno para gerar um fundo de apoio à comunidade criativa.
O debate foi focado principalmente no impacto da paralisação que o COVID-19 causou nas comunidades criativas e culturais, e como os governos e as grandes empresas de conteúdo e tecnologia poderiam, e deveriam, apoiar criadores individuais. Mas a discussão também considerou os desafios mais amplos enfrentados pela comunidade criadora no mundo digital, e medidas que poderiam ser introduzidas além da crise do COVID-19 para lidar com esses desafios.
Jarre também é presidente do CISAC, o grupo global de sociedades coletoras de direitos musicais, e nesse papel, tem sido um prolífico apoiador e defensor da campanha de lacuna de valor da indústria musical, que busca reformar a lei de direitos autorais para acabar com as práticas exploratórias das grandes empresas de tecnologia.
Grande parte dessa campanha tem sido focada na União Europeia nos últimos anos, e nas reformas de direitos autorais contidas na Diretiva Europeia de Direitos Autorais do ano passado. Embora ainda não se saiba sobre o impacto dessas reformas, a indústria musical gostaria de ver medidas semelhantes implementadas em outros lugares.
Jarre aproveitou o debate da UNESCO, para falar mais sobre a necessidade de reforma dos direitos autorais em todo o mundo, de como lidar com os desafios específicos colocados pela era digital e do domínio na Internet de um pequeno número de gigantes da tecnologia. Mas foi na seção de Perguntas e Respostas que ele fez o que, possivelmente, foi a sua proposta mais radical.
Atualmente, o copyright não dura para sempre. O proprietário de qualquer copyright tem controle sobre seu trabalho, e pode explorar esse controle para obter lucro, por um determinado período de tempo. Quando esse período expira, dizemos que o trabalho é de “domínio público”. Ninguém mais controla, o que significa que qualquer outra pessoa pode fazer uso dele sem obter a permissão de ninguém, ou pagar qualquer dinheiro.
O tempo de um copyright varia de país para país e depende do tipo. Mas na Europa as gravações sonoras têm proteção por 70 anos após o lançamento, enquanto que o copyright das músicas, outros 70 anos.
De acordo com Jarre, o dinheiro gerado pelo trabalho de direitos autorais, iria para um fundo central para apoiar a comunidade criativa em todo o mundo.
“O copyright do cinema, da música, de tudo, iria para um fundo global para ajudar artistas, especialmente artistas de países emergentes”, disse Jarre. “Isso não custaria nada a ninguém e poderia ser feito amanhã”.
Ele então citou a “Nona Sinfonia” de Beethoven. “Isso é de domínio público. Não tem copyright. Se os direitos da ‘Nona Sinfonia’ fossem como uma canção recente, geraria renda e esse dinheiro poderia ir para ajudar artistas europeus, por exemplo”.
É uma ideia simples na teoria, como o próprio Jarre enfatizou, embora, obviamente, na prática, lançaria todo tipo de complicações, debates e argumentos. Como exatamente esse fundo funcionaria? Quem licenciaria as obras? Será que a ideia de copyright eterno vai contra um dos princípios fundamentais dos direitos autorais em si?
Entre aqueles que apresentaram os argumentos contrários à ideia de Jarre está Miryam Boston, especialista em IP do escritório de advocacia Fieldfisher, de Londres.
“A ideia de ‘direitos autorais eternos’ é um conceito interessante”, disse ela à CMU. “Como ponto de partida, a ideia de um fundo para ajudar artistas em dificuldades soa louvável. As artes e a cultura são muito importantes para nossa sociedade e garantir que os artistas possam continuar nessa crise é fundamental. No entanto, é difícil ver como, na prática, o mecanismo de um ‘copyright eterno’ funcionaria e isso vai contra muitas das ideias fundamentais dos direitos autorais”.
“A lei de direitos autorais tem que lidar com a difícil tarefa de equilibrar os interesses dos detentores de direitos e os interesses dos usuários”, diz ela. Ter o copyright expirando após um período de tempo faz parte disso.
Muitas pessoas já consideram a duração do copyright muito longa de modo que uma extensão da duração poderia arriscar sufocar a criatividade”.
Miryam Boston também ressaltou as complexidades que estariam envolvidas na implementação dessa ideia. “Um mecanismo fundamental com copyright é a capacidade dos autores de explorar suas obras, por exemplo, licenciando outras para realizar determinados atos”, observou. “Não está claro como esse esquema funcionaria na prática, uma vez que as obras entrariam na ‘fase eterna’. Isso criaria um enorme ônus administrativo de decidir quando a obra poderia ser licenciada, a quem, quanto e como seria o gerenciamento do pagamento dos royalties”.
A proposta de Jarre, embora simples, é realmente bastante radical. E tal medida não será introduzida no contexto da paralisação do COVID-19. Mas é, no entanto, outra ideia interessante de alguém que acompanha os debates em curso em torno dos direitos autorais muito de perto. E seja de qual lado você ficar, é definitivamente interessante discutir. Bem, interessante para os nerds de copyright do mundo, de qualquer maneira.
Você pode assistir ao debate completo da UNESCO – que trata de outros assuntos além desse – neste link. A proposta específica de copyright eterno do Jarre, também foi postada pela UNESCO no Twitter. Você pode ver aqui.
Reportagem de Chris Cooke
Fonte: Completemusicupdate.com
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