A conceituada revista musical norte-americana “SPIN MAGAZINE”, está trazendo uma reportagem fantástica sobre o novo álbum de Jean Michel Jarre, “ELECTRONICA 2 – The Heart of Noise” (a ser lançado em maio/2016), onde vários artistas colaboradores entrevistados falaram da sua relação com Jean Michel Jarre e sua música.
Hearts of Noise: Jeff Mills, Julia Holter, The Orb e More Talk trabalham com Jean-Michel Jarre
É impossível descrever o legado e alcance do francês pioneiro da música eletrônica Jean-Michel Jarre sem usar superlativos. Ele atualmente detém o recorde mundial de maior concerto ao ar livre (3,5 milhões de pessoas assistiram sua inovadora synth-opus Oxygene para o aniversário de moscou em 1997), estabeleceu uma barreira inimitável para espetáculos visuais ao vivo com a harpa laser que é sua marca, foi o primeiro músico ocidental a se apresentar na China, e no âmbito pessoal, foi amigo íntimo do autor de ficção científica Arthur C. Clarke e casado com a icônica atriz britânica (e recentemente indicada ao Oscar) Charlotte Rampling. E ainda, meio século depois de estudar com o próprio inventor da música concreta, Pierre Schaeffer, Jarre permanece fascinado pelas novas tecnologias e artistas. Mas o mais recente projeto em que ele está interessado não é um plug-in Pro-Tools ou o mais recente reeditado sintetizador modular Moog: é um aplicativo de encontros.
“Hoje em dia, as pessoas estão tocando e tendo relações sensuais [com] os seus smartphones,ao invés de seu próprio parceiro”, disse o músico de 67 anos à SPIN pelo Skype. Ele está se referindo a “Swipe to the Right”, a “sombria canção de amor da era Tinder” com Cyndi Lauper, que ele escolheu por seus talentos vocais acrobáticas, e que ele diz “ter inventado o Auto-Tune muito antes da tecnologia.” Esta vivacidade brilhante de comentários distópicos, refere-se ao seu álbum prestes a ser lançado, “Electronica. 2: The Heart of Noise”, a continuação para o “Volume 1: The Time Machine”, lançado ano passado, e encapsulam perfeitamente a visão de Jarre: contar histórias, inspirado nos filmes de David Lynch e John Carpenter (ambos recrutados para este projeto), artistas que têm um “som próprio, identificável”, e as máquinas de produção de som sobre as quais ele construiu sua carreira.
Para os LPs duplos de Electronica, Jarre recrutou músicos da dance music do passado e do presente. Moby, Gesaffelstein, Laurie Anderson e M83, entre outros, emprestaram seus talentos para o primeiro e o segundo apresenta Primal Scream, Pet Shop Boys e os compositores de trilha sonora cult Yello. Cada uma das suas 17 faixas é uma colaboração entre Jarre e o artista em destaque (embora Jarre admita a ideia de que uma música “featuring” seja tão comum a ponto de ser “banal”, então talvez “flor especial” seja mais apropriada), concebida em geral como um tributo experimentalista ao construtor de sintetizadores italiano Luigi Russolo, que também escreveu em 1913 o manifesto futurista “The Art of Noises”. “Ele disse que músicos do futuro não iam ficar presos na gama limitada de instrumentos acústicos”, Jarre explica, “mas a tecnologia permitirá que os músicos no futuro serem seus próprios pintores, para pintar seus próprios sons. Em certo sentido, DJs são netos de Russolo “.
Em antecipação ao lançamento de “The Heart of Noise”, em 6 de maio via Sony Music International, SPIN enviou a alguns desses “netos” – Jeff Mills, Julia Holter, Gary Numan, The Orb, Peaches e os compatriotas de Jarre Sebastian Tellier e Rone – e-mails para descobrir como eles se envolveram com “Electronica Vol. 2” e como Jarre influenciou suas próprias carreiras musicais.
Como você se envolveu nesse projeto em particular?
Jeff Mills: Jean-Michel me contactou para saber se eu estaria interessado em fazer um remix de uma de suas faixas. Eu rapidamente respondi que sim e perguntei sobre o que era a faixa. Ele explicou que era uma história sobre um trem que viaja ao longo de um rio. Eu compus algumas faixas que refletem as diferentes perspectivas desse cenário: vendo o trem de cima, a partir da perspectiva de um peixe, a partir da perspectiva de estar no trem. Usando a melodia e sequências de sua faixa, eu recriei a composição.
Julia Holter: Jean-Michel me contactou. Eu, obviamente, tinha ouvido a sua música, mas estava curiosa sobre suas ideias para a colaboração. Nós nos encontramos e conversamos sobre nossas referências na música e foi amigável e fácil. Eu geralmente não me encontro com desconhecidos e me sinto bem sobre colaborar com eles. Há também este elemento de respeito a um músico estabelecido, por isso não foi “não intimidador”. Ele já tinha reunido uma faixa à qual eu poderia acrescentar vocais e outras ideias. Ela tinha uma sonoridade claramente “Jarreana” – sonhadora, uma progressão de acordes em arpegio feita de som de sintetizadores analógicos – mas foi deixado em aberto quanto ao que poderia ser colocado sobre ele.
Gary Numan: Eu recebi um e-mail de Jean-Michel algum tempo atrás, dois anos pelo menos. A mensagem delineou o que ele queria fazer, ou seja, colaborar com certas pessoas da cena de música eletrônica para um álbum. Jean-Michel iria criar a peça inicial de música e, em seguida, as pessoas iriam adicionar seu próprio toque pessoal nela. Fiquei muito lisonjeado por ser uma das pessoas convidadas e disse “sim” imediatamente.
Alex Paterson, The Orb: Dois anos atrás, de repente, eu recebi um telefonema de JMJ. Temos uma história anterior – 20 anos atrás nós fizemos um remix de Oxygene (Part 8). Infelizmente, Jarre não fez menção a ela, mas as sementes foram plantadas…
Me conduza pelo processo de fazer a faixa com Jean-Michel. Você colaborou junto no estúdio ou via e-mail, Dropbox, etc.? Como foi a experiência?
Sebastien Tellier: Nós dois vivemos em Paris, o que tornou fácil colaborar. JMJ já tinha composto um loop de alguns acordes que eu tive o prazer de ouvir calmamente em sua sala de estar. Então eu levei o loop pra casa e comecei a procurar uma melodia e seções rítmicas mecânicas de baixo e bateria relevantes. Quanto às letras, ele me contou a história de um homem que se apaixonou por uma máquina que era uma mulher. Eu escrevi algo relacionado a esta história e gravei meus vocais em um estúdio lendário em Paris chamada Studio CBE.
Julia Holter: Ele tinha essa faixa [que] ele tocou para mim em um Discman – ou talvez um iPhone e fones de ouvido. Ele teve a ideia para a música: que há um mundo alienígena colidindo com um mundo humano. Minhas letras tentaram refletir isso. Eu processei alguns de seus sons de sintetizador, eu estava nervosa. Eu fiz tudo muito da maneira que eu gravo sozinha – apenas balbuciando no meu microfone dinâmico, negligenciando a alta qualidade do áudio em prol da intimidade do momento. I reverberei os vocais do modo que eu gostaria e Jean-Michel gostou da maneira que eu tinha equalizado, mesmo sendo tosco.
Gary Numan: A maioria das músicas que me foram sugeridas eu fiz sozinho e enviei para Jean-Michel; algumas discussões foram via e-mail, mas a maioria eram cara a cara. Ele consegue te levar além, a refazer tudo diferente, da maneira mais encantadora. Eu mudei quase tudo sem me sentir ofendido nenhuma vez. Seu conhecimento da música, tanto atual quanto histórica, e seu conhecimento do equipamento, tanto musical quanto de estúdio, é bastante notável.
Pode descrever o seu primeiro encontro com Jean-Michel Jarre ou com sua música? Como a música dele influenciou seu trabalho?
Peaches: Oxygene me ajudou a perceber meu amor por sons de sintetizadores analógicos. Eu também tenho sempre uma reverência pela harpa laser que ele usa em suas apresentações ao vivo. Eu me considero original, mas quando vi a harpa laser, eu tinha três harpas laser construídas para usar em meu próprio show.
Gary Numan: Lembro-me de ouvir sua música pela primeira vez muito antes de eu me interessar por música eletrônica. Eu gostei – na verdade, acho que comprei Oxygene quando saiu – mas naquela época eu estava ainda bastante arraigado em guitarras. Eu provavelmente [teria sido influenciado por ele] se eu tivesse olhando para a música eletrônica mais a sério, mas eu ainda estava a um ou dois anos de fazer essa mudança. A primeira vez que o vi pessoalmente, eu estava na minha casa em Los Angeles. Ele era eloquente, divertido, caloroso, inteligente e um belo ser humano. Eu tenho fotos dele rolando no chão com o meu cão Wilbur.
Rone: Eu ouvi Jean-Michel Jarre pela primeira vez quando eu era criança, no rádio em casa. Fiquei muito intrigado com o som – era novidade para os meus ouvidos. Eu queria ouvi-lo novamente, então eu convenci minha mãe para me levar para a loja de discos da cidade. Eu não sabia o nome do artista, então eu tive a cantarolar a melodia para o lojista que, após alguns segundos, disse: “Isto, meu jovem, é Jean-Michel Jarre!” e me mostrou uma cópia do Oxygene . Foi o primeiro disco que comprei!
Jeff Mills: Nós nos conhecemos no ano de 2000. Fui convidado a ir a Paris para estrear [a versão ao vivo, alternativa] da trilha sonora de Metrópolis, de Fritz Lang, no Centro Pompidou. Quando voltei para o meu hotel, recebi uma carta dele dizendo o quanto ele gostou do show e me convidou para seu estúdio parecido com um museu, nos arredores de Paris. Foi incrível ver todos aqueles instrumentos personalizados e peças de mecanismos. Nós conversamos por cerca de três horas sobre ciência e ficção científica, música eletrônica e Arthur C. Clarke.
Alex Paterson, The Orb: Eu era adolescente e pensava na época que ele fosse uma versão francesa do Kraftwerk. Quando estávamos gravando uma enorme e crescente melodia no sul de Londres, JMJ estava fazendo um show de luzes nas Docas em East London. Se nós fôssemos para o parque local, poderíamos ver o visual [do show], e era incrivelmente, vividamente expressivo em uma escala grandiosa. Ficamos muito impressionados!
Você conhecia Luigi Russolo, o compositor italiano e construtor experimental de instrumentos ao qual Electronica Vol. 2 é uma homenagem? O que você espera trazer para seu legado?
Julia Holter: Eu já li o Art of Noise um dia. É muito tocante e relevante para hoje, já que estamos passando por uma revolução tecnológica. Eu não posso dizer eu iria impressionar muito Russolo, porque acho que ele estava abordando algo radical e não vejo a minha música como radical, pelo menos em termos de tecnologias utilizadas. Estou muito interessada na voz humana e como podemos usá-la, especialmente quando não estamos pensando, como o tipo de coisa em que Robert Ashley estava interessado. A voz pode fazer quase todos os ruídos que Russolo lista em suas “Seis Famílias de Ruídos” [Six Families of Noises For The Futurist Orchestra], então talvez um dia eu tenha gravado todas elas.
Jeff Mills: Eu acho que Russolo acertou na mosca! As ideias de dar aos indivíduos o controle e a capacidade de imitar um grupo (ou uma orquestra) é algo que estamos vivenciando cada vez mais conforme passa o tempo. Uma grande parte da mentalidade do movimento Futurista foi provocada por um despertar dos sentidos – uma detecção psicológica que a vida que eles reconheceram em torno deles não era total e completa e que dar mais poder para a pessoa liberta essa pessoa e, portanto, permite-lhes viver mais.
A música eletrônica criou uma família – uma bastante grande! Há alguma relação paternal que conecta muitos de nós [escolhendo] fazer deste estilo de música uma carreira. Estamos delimitados pelas formas com que nos comunicamos e traduzimos a vida ao nosso redor. Penso que o seu álbum (Electronica Vol. 1 e 2) e como ele se estende por muitas gerações é uma clara prova disto. Ele realmente me deu conselhos muito valiosos sobre muitos assuntos no passado. Eu ainda olho para ele e pelo que ele fez como uma referência.
Tradução : Raphael Romero Barbosa
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