CHRONOLOGIE, UM DOS MELHORES ÁLBUNS DE JEAN-MICHEL JARRE, COMPLETA 30 ANOS

Qualquer novo lançamento de Jean-Michel Jarre é aguardado com ansiedade, mas nada foi tão esperado quanto Chronologie. Três anos se passaram desde Waiting for Cousteau, até então o seu último álbum de estúdio, e o lançamento deste álbum, dividido em oito partes, representou um marco na cronologia pessoal de Jarre.

Inspirado no livro “Uma Breve História do Tempo” de Stephen Hawking, Chronologie foi lançado em 24 de maio de 1993 (no mesmo dia em que Jarre foi nomeado Embaixador da Boa Vontade da UNESCO) e está completando 30 anos nesta semana. Com samples retirados do seu primeiro single, La Cage, memórias de Magnetic Fields revitalizadas, fragmentos de Oxygene e sons do seu encontro com os Alpes suíços, este álbum, gravado ao longo de 18 meses no seu estúdio caseiro em Paris, pareceu representar não apenas uma história sutil da carreira musical de Jarre, mas também foi um passo adiante para um dos compositores mais vanguardistas do mundo.

POR QUE CHRONOLOGIE? JARRE EXPLICA

“Há muito tempo eu queria trabalhar o tema do tempo e fazer um espetáculo de som e luzes para contar a história do tempo. Isso é algo que me fascina há anos. Se você ler a definição de cronologia no dicionário, com certeza encontrará algo como uma série de datas ou eventos históricos que acontecem no tempo. Mas minha definição de cronologia, que a meu ver é muito mais interessante, é que desde o início do tempo, a vida é uma série de eventos, sequências feitas de estações, dias, anos, gerações, cromossomos, nascimentos, batimentos cardíacos. Eles podem não ser eventos que poderiam figurar nos livros de história, mas são em si mesmos, a cronologia de nossas vidas. Todos esses clichês são facilmente esquecidos, mas durante o último minuto, 800 crianças nasceram no mundo. Nosso coração bate muitas centenas de milhares de vezes e somos regidos por uma sequência de eventos, uma cronologia de eventos que, no final das contas, são as batidas do coração da vida moderna. É isso que quero demonstrar através da minha música e dos meus concertos, e a música é uma espécie de evocação poética desses ciclos.”

Portanto, a inspiração por trás de Chronologie é bem mais ampla do que a definição do dicionário da palavra cronologia. O álbum é uma evocação musical do que Jean-Michel vê como o “ritmo da vida”, os complexos padrões e sequências por trás da força vital. Do DNA aos cromossomos, ciclos reprodutivos, batimentos cardíacos, gerações. A cronologia de nossas vidas. Jean-Michel explicou que Chronologie deliberadamente forma um ciclo: “O álbum em si é uma espécie de ciclo. O último som está nos trazendo de volta ao início do álbum.”

Michel Granger com Jarre em 1993

Jarre numerou cada faixa em vez de intitula-las, um reflexo dos segundos, minutos e horas que compõem um dia. “Não há títulos, exceto o próprio Chronologie. Sempre achei um pouco artificial o fato de que quando você tem músicas sem letra, você tem títulos que podem evocar qualquer tipo de coisa pessoal, mas que podem evocar algo mais para outras pessoas. Ou seja, quando você tem um conceito global, acho que a noção de movimentos ou partes dentro desse conceito global, para mim, faz muito mais sentido.”

ARTWORK

O artwork reacendeu uma antiga amizade com o artista Michel Granger. Depois de fornecer capas memoráveis para Oxygene, Equinoxe e Rendez-Vous, Granger criou uma obra de arte distinta que fez Jean-Michel ter uma visão clara do que ele queria representar:

“Le désir”: essa seria a capa original do
Chronologie

“O desenho que você vê está ligado a este tema da cronologia e que vai me acompanhar no próximo ano”, explicou. Partindo da ideia de que essas sequências de eventos são acionadas por mulheres de diferentes cores. Isso vem da mitologia grega que diz que o mar, as tempestades, a paixão, a desintegração, a doença e a morte são todas femininas e é isso que o tempo é. Acho que, como disse Einstein, a vida é uma série de eventos, alguns dos quais acontecem e outros não.”

Granger teve dificuldades em criar a capa para Chronologie. Diante do formato dos CDs, que são bem menores que o dos LPs, Jean-Michel pediu ao artista para retrabalhar a imagem no computador com uma equipe de designers gráficos. Uma mudança radical em relação ao trabalho anterior que levou o autor a dizer: “não é mais um desenho que trabalha sobre uma ideia, mas sobre um efeito”.

VIDEOCLIPES

Os dois vídeos que acompanharam o lançamento do primeiro single do álbum, Chronologie Part 4, não poderiam ser mais diferentes. Intitulados “Time” e “Space”, foram produzidos pelo diretor americano Jon Klein, e o primeiro em especial, foi possivelmente o melhor vídeo promocional já produzido para Jarre até aquele ano. Durante uma passagem por Londres, Jarre falou sobre o primeiro conjunto de vídeos e por que existem duas versões:

“Pensei em fazer dois videoclipes, totalmente diferentes na mesma música e provavelmente também remixes desses dois videoclipes para as versões remixadas. O primeiro, chamado Time, mostra uma série de eventos que serão desenvolvidos desde o início do videoclipe até o fim.”

“O segundo, intitulado Space, foi filmado no Brasil e está mais ligado ao tempo, com uma noção de espaço, de movimentos no tempo, uma espécie de viagem por diferentes aspectos do tempo.”

“Jon Klein é o diretor desses dois vídeos e ele é um brilhante diretor americano que criou muito do estilo sonoro e visual da MTV Europa. Ele fez muitos outros vídeos para outras pessoas e sou um grande fã de seu trabalho. Acho que ele também é capaz (porque ele também é músico) de lidar com a dificuldade de ter imagens e efeitos visuais em uma música sem letra. O grande perigo de fazer um vídeo sobre uma música sem letra é que de repente a música pode aparecer como uma espécie de fundo em qualquer tipo de cenário. Então ele teve muito cuidado desde o início deste trabalho com o ritmo, o som e tentou manter uma ligação constante entre os sons e os visuais.”

PATRICK RONDAT

Foi em Chronologie que aconteceu a única colaboração do guitarrista Patrick Rondat em um disco de estúdio de Jean-Michel Jarre. Listando suas influências como Al Di Méola, John Maclaughlin e George Lynch, ele lançou seu primeiro álbum “Just for fun”, em 1989. Após o lançamento em 1991 de seu segundo álbum, “Rape of the Earth”, ele não tinha certeza de seu próximo passo, mas a chance veio durante um concerto da banda Extreme:

Patrick Rondat

“Eu estava cedendo às pressões ao meu redor e pensei que um projeto de grupo era a única direção que minha carreira poderia seguir. Então, depois de uma discussão com Jean-Pierre Sabouret, uma das primeiras pessoas que realmente acreditou em mim, a ideia de uma colaboração com Jean-Michel Jarre foi criada. Nós vimos Jean-Michel no Zenith durante um show do Extreme e decidi contatá-lo. Ele me ligou três semanas depois (guardei a mensagem que ele deixou na minha secretária eletrônica). É muito difícil para mim falar sobre Jean-Michel Jarre, não só porque me considero um novato, mas também porque ele é tão famoso que às vezes sinto como se eu estivesse usando-o de alguma forma. Este novo álbum foi pensado com um tema específico para a guitarra e espero poder descobrir novas vertentes sonoras e alargar o meu campo de expressão. É uma experiência fantástica da qual só posso obter benefícios e Jean-Michel me dá grandes margens para trabalhar. Eu não entro e digo: ‘Olá chefe, o que vou fazer hoje?’ – É um diálogo muito aberto, inteligente e mentalmente artístico, em parte porque Jean-Michel tem que considerar a integração entre sua música e seus espetáculos. Você goste ou não do que ele faz, não pode negar que há uma riqueza e qualidade artística em seu trabalho. Jean-Michel adora guitarras e é um fã de rock, então é uma oportunidade para eu aprender um grande número de coisas e fazer música de grande amplitude usando meios que só ele pode oferecer. Sempre fui um artista solo, só no comando, mas não é nada mal ter alguém ao seu lado que opine sobre o seu trabalho, ainda mais quando é Jean-Michel Jarre. Essencialmente, o que você ouve no novo álbum é o estilo hard rock de Patrick Rondat, mesmo que seja um pouco diluído, pois odeio o aspecto familiar do hard rock. Para mim, a música deve satisfazer uma paixão. Devo ser capaz de trabalhar com quem parece certo no momento – a sinceridade deve estar presente desde o início.”

REMIXES

O CD-Maxi com dois discos de
Chronologie Part 4

Os remixes de Chronologie Part 4 marcam o primeiro impulso de Jean-Michel Jarre no mundo da dance music dos anos 90. Jarre, que na vanguarda da tecnologia de sintetizadores revolucionou a música eletrônica, juntou-se à banda Sunscreem para surpreendentes remixes de sons atmosféricos e ambientes ligados a uma batida forte. Esses remixes mostram Jarre se afastando das mixagens produzidas por François Kevorkian, Michel Geiss e outras pessoas diretamente ligadas ao álbum original e procurando por artistas talentosos em outros campos. Falando sobre os remixes, Jarre comentou:

“Tentei trabalhar com artistas, não remixers, DJs ou engenheiros porque são mais remixes artísticos do que remixes técnicos. São mais interpretações do que remixes. Para Chronologie Part 4, trabalhei provavelmente com 7 ou 8 artistas e eu guardei para o resultado final, 3 artistas principais: Praga Kahn, um jovem brilhante da Bélgica; Sunscreem, que muita gente conhece no Reino Unido; e Black Girl Rock.”

Chronologie Part 4 foi lançado em 29 de maio de 1993 na França em vários formatos, incluindo pela primeira vez um single em fita cassete. Formatos incluindo um CD-Maxi com dois discos estavam disponíveis na Europa no dia 7 de maio e no Reino Unido na semana seguinte.

Remixes de Slam & Gat Decor para
Chronologie Part 6

Slam & Gat Decor remixaram Chronologie Part 6, o segundo single do álbum. Ao contrário do lançamento normal para o público, os remixes foram distribuídas gratuitamente para clubes em todo o Reino Unido, recebidos com grande aclamação pela crítica, e foram altamente qualificados após o lançamento. Como resultado, as versões foram lançadas comercialmente em um mini-álbum apenas no Reino Unido, em 16 de maio de 1994, a um custo próximo ao de um álbum completo. Muitos fãs afirmaram que esses remixes são irreconhecíveis com relação à versão original, mas os críticos e os amantes da dance music amaram, alcançando o número 30 nas paradas. O próprio Jean-Michel Jarre tem uma opinião muito positiva sobre os remixes que a Polydor lançou:

“Adoro os remixes do Slam, mesmo que seja tão distante do original que é como se fosse um disco deles. A dance music é muito espontânea e tem uma atitude nova. Há uma abordagem musical e sensual com a dance music que está ligada à linguagem corporal e às atitudes físicas. É a ligação entre os anos 70 e os anos 90. Quando eles foram lançados, estávamos usando sintetizadores para criar nossos próprios sons. É o mesmo na dance music hoje.”

As raves foram citadas como inspiradas no estilo dos concertos que Jarre realizou em Houston, Paris, Lyon e Docklands, com Jarre sendo uma espécie de padrinho da cena eletrõnica. Jarre consegue ver a ligação mas não se compromete com a inspiração:

“Se as pessoas consideram meu trabalho a inspiração do movimento rave, tudo bem para mim. É óbvio que há uma ligação. Tentei criar eventos que as pessoas considerassem pontuais. As pessoas ficam isoladas em frente à TV e ouvindo músicas em fones de ouvido. Aqueles eventos eram ambientes mais de convívio para as pessoas se reunirem. O movimento rave estava seguindo a mesma ideia.”

CD single de Chronologie Part 8

O último remix foi da faixa Chronologie Part 8. Remixada por Michel Geiss e pelo próprio Jean-Michel Jarre, é sem dúvidas o melhor remix do álbum, pois foram mantidas as características originais da faixa. Nada de dance music aqui. Um CD single foi lançado em agosto de 1994 e misteriosamente foi recolhido alguns dias depois (fãs na França chegaram ver o single à venda em lojas de discos). Então, durante algum tempo, a Francis Dreyfus Music considerou colocar o CD à venda novamente. No entanto, depois de muito pensar e com o lançamento do álbum Hong Kong em novembro de 1994, foi decidido que o single não seria relançado. Todas as cópias produzidas e que foram recolhidas pela Dreyfus, seriam destruídas. Então, Koen Vervoort (editor do fanzine belga “Oxygenie”) pediu à Dreyfus que disponibilizasse algumas centenas de cópias do CD, pois o preço no mercado de colecionadores estava subindo em grande velocidade. Uma cópia do single chegou a alcançar quase £100 libras esterlinas na Países Baixos, isso depois de apenas alguns meses. A Dreyfus concordou com o pedido, com a condição de que os CDs fossem vendidos a um preço razoável, acrescido de postagem e custos extras de manuseio. A “Revolution Magazine” (fanzine britânico) conseguiu 25 cópias e vendeu para seus assinantes ao preço de £5 libras esterlinas cada CD (para os fãs do Reino Unido) e de £6 libras esterlinas (para fãs de outros países).

Um videoclipe da faixa foi produzido e exibido na TV francesa no final de julho de 1994, mostrando Jarre e algumas pessoas dançando, enquanto objetos voadores de filmes de ficção científica dos anos 1950 sobrevoam Paris. Circularam rumores na época de que o vídeo original foi descartado e substituído por um vídeo filmado em Nova York. No entanto, a julgar pelas imagens do skyline, uma placa de trânsito francesa (no minuto 1:20) e pinturas de grafiti em francês (no minuto 2:49), não há dúvidas de que o vídeo foi filmado em Paris.

Single de Chronologie Part 2

Chronologie Part 2 também foi lançado, mas nenhum remix foi produzido para essa faixa, sendo mantida a versão original no CD single. Assim como aconteceu com Chronologie Part 8, um videoclipe foi transmitido na TV francesa em novembro de 1994, misturando imagens do backstage do concerto de Tours com imagens do vídeo oficial do concerto de Barcelona (ambos da turnê Europe in Concert). Circularam boatos de que um single de Chronologie Part 1 teria sido lançado na França em novembro de 1993. Algumas pessoas afirmaram possuir este CD e as informações sobre ele são muito incompletas. Rumores da existência de um CD single de Chronologie Part 8, incluindo Chronologie Part 6 e Chronologie Part 4 não foram confirmados.

Em dezembro de 1993, Jean-Michel Jarre foi presenteado com um CD de platina para celebrar o enorme sucesso de Chronologie. A recepção aconteceu na Francis Dreyfus Music e Jarre estava acompanhado por Michel Geiss, Christian Chevalier (assistente de produção), Patrick Pelamourgues, Dominique Perrier e Francis Rimbert. Todos eles também receberam seus CDs de platina (clique nas imagens para ampliar):

A reação ao álbum foi mista, mas o consenso geral é de que a espera valeu a pena. Chronologie tem uma peça musical maravilhosa que manteve os fãs felizes até o demorado lançamento de Oxygene 7-13 em 1997.

“30 anos…já! Amor a todos vocês…” – JMJ

ENTREVISTA PARA A EDIÇÃO FRANCESA DA KEYBOARDS MAGAZINE Nº 68 – 1993

Por: Christian Jacob

Que tal falarmos sobre música? Chronologie é obviamente um álbum que levou tempo: tempo de reflexão e tempo de trabalho em estúdio, com um regresso às fontes e uma inspiração renovada… Mais do que nunca, uma visão estética e poética está aos comandos das máquinas….

Chronologie oferece um jogo múltiplo no tempo e no ritmo…

“Eu tinha esse conceito de álbum em mente há muito tempo. Chronologie, claro, porque a música está ligada ao tempo. Mas há mais. A música eletrônica talvez seja mais humana do que as outras, porque usa o efeito de sequência. No entanto, o ser humano é sequenciado pelas estações, meses, anos, eventos da vida, nascimento, casamento, morte, tudo o que pontua nossas vidas do começo ao fim. Há também as séries de cromossomos, as cadeias de DNA, os batimentos cardíacos, esse ritmo inelutável que pontua nossa vida. No final do século, procuramos sempre definir uma identidade em relação ao passado. Nunca houve tanto esforço para estabelecer correspondências dentro do século XX, como se a história estivesse dando voltas. Por exemplo, a década de 1960 se assemelha à de 1940, a de 1980 à de 1930, a de 1990 à 1970. Hoje, os sons que temos na cabeça vêm desta cronologia do século XX, destes diferentes planos temporais que se chocam: os movimentos das orquestras sinfônicas, o rap, o scratch, os sons urbanos, a igreja dominical, os sons dos insetos, uma melodia de acordeão… Todos esses elementos díspares fazem parte da nossa cultura sonora, da nossa memória musical.”

O próprio progresso do disco não sugere uma aceleração do tempo e um encolhimento do espaço?

“Aliás, poucos sabem que Chronologie Part 5, a faixa ‘rave’, foi composta logo no início do projeto, antes de todas as outras. Há duas direções no álbum, o aspecto rítmico, com portões, um espaço fechado, e ao mesmo tempo um espaço muito amplo e arejado. No início do século, não carregávamos o tempo, nós vivíamos. Eram os grandes ciclos cósmicos, as fases da sintonia, as estações, os acontecimentos da vida. E chegamos aos anos 90, onde nossa vida é pontuada pelo milissegundo, com o computador, time codes, o digital. O espaço musical tomou um golpe. Não é necessariamente ruim. O conceito de ‘noise gate’ diz muito sobre nossa relação com o tempo!”

As raves também contribuem para uma abolição da duração?

“Ao contrário da dance music ou da discoteca, as raves misturam ritmo e bom humor. Eu me interessei por esse movimento desde o seu início. Senti que ele poderia, especialmente na Inglaterra, oferecer uma alternativa ao rap e à música techno. Esta é a primeira vez na dance music, que oferecemos partes sem bateria e sem ritmo, ou seja, um ritmo biológico esticado. A rave é também a vontade de viver e visualizar a música invadindo um lugar com som, imagem, laser, ou seja num espírito muito próximo ao dos meus concertos há vários anos. Existe uma relação bastante profunda aí. Tenho estado em contato com alguns grupos ingleses e continentais que disseram que me consideram o padrinho da rave, o que a princípio me fez cair na gargalhada. Alguns grupos jovens tomaram meu trabalho como fonte de inspiração: tanto no uso de sintetizadores analógicos, quanto no desejo de sair do quadro do rock, dance e high music. O desejo de visualizar a música de uma forma não convencional, em explosões e performances multi-técnicas.”

Daí sua colaboração com esses grupos para os remixes de Chronologie Part 4?

“Eu queria fazer de Chronologie uma série de eventos, shows, singles, remixes, vídeos, que se espalhariam ao longo do tempo por cerca de um ano a partir de agora. Fiquei maravilhado, trabalhando com esses grupos de raves, ao ver o respeito geral deles pelo som, e ao mesmo tempo o frescor na forma de abordar a gravação, a mixagem, o que me deu muita energia. Para mim, foi uma troca muito construtiva. Ao invés de trabalhar com engenheiros que fazem remixes, eu queria colaborar com artistas que tivessem sua própria identidade e que fizessem mais interpretações de singles do que covers. Nas raves como em Chronologie, há contrapontos de ritmos biológicos: eles se cruzam com diferentes frequências. Existe tanto o ritmo da batida do coração quanto o ritmo do sonho…”

Em comparação com as raves, a duração das faixas do álbum são muito curtas.

“Eu não queria esticar a duração do disco. No palco, quero fazer uma versão ao vivo mais longa, mais ou menos o dobro, para usar sons diferentes, envolver outros músicos. Há algumas passagens do disco que voltei a cortar. Por exemplo, Chronologie Part 7 tinha quatro minutos, tirei um minuto e 20 segundos, o que ainda é muito, porque senti que havia um momento em que estava a ficar estagnado. É como a duração de um filme. Nada nos incomoda, mas se tirarmos alguma coisa, fica ainda melhor.”

Chronologie Part 1 testemunha um regresso a um certo lirismo e a uma certa espontaneidade…

“A parte dos glissandos é uma das minhas preferidas, uma das mais originais do disco. Queria fazer uma peça onde tudo desliza: não é uma peça terrena. Eu trabalhei muito. Tive dificuldades em encontrar um desenvolvimento, porque não queria que fosse muito estruturada. Comecei com dois sons, o som do portamento com o JD-800 e um som de ‘baleia cansada’, entre a voz humana e o choro do animal. Foi composta de forma intuitiva, e será difícil refazer. É uma verdadeira interpretação de sintetizador. Coloquei em um sequenciador, porque estou acostumado a inserir tudo que toco em um MPC 60, um sequenciador que sei de cor e que gosto, meio que um gravador. Há muitas partes que são tocadas ao vivo neste álbum. Voltei a uma panóplia de sons analógicos de que gosto: o Eminent, Synthex, etc., e depois ao Revox. Nos últimos anos, tentei quase todos os delays digitais e voltei aos delays do Revox adulterados no nível ‘varispeed’. Gosto da cor da repetição criada pela fita magnética. Chronologie Part 1 deve muito a esses delays, que dão um ‘twist’ incessante.”

A abertura sinfônica do álbum libera uma emoção particular…

“Gosto de sugerir sentimentos contraditórios, nostalgia e tristeza, e ao mesmo tempo alegria e otimismo. Beethoven disse que é muito mais difícil ser feliz do que triste. E acho que isso é verdade. Há poucas músicas que são otimistas. Para mim, há Queen, Beatles, Electric Light. Mas certamente não são otimistas Depeche Mode ou Pink Floyd, que eu realmente gosto. É um verdadeiro desafio na música eletrônica resistir à atração pelo ‘downbeat’ e pelo sombrio, mental e espiritualmente.. O dramático, o perturbador são tendências instintivas. Em Chronologie, tentei tocar nos dois registros.”

Não é uma das chaves de Chronologie esta ‘piscadela’ onde um som das fitas da era GRM abre a sequência da Part 2, com um efeito paradoxal vanguardista e moderno?

“Este loop rítmico foi feito com fitas de um quarto de polegada. Inicialmente, eram sons de lixa de unha desacelerados, passando de 38 para 19, e sons de lâmina de faca em cordas de piano, que eu editava de acordo com um tempo, calculando o número de centímetros a 38 cm/segundo ou a 19. Me vi medindo as colcheias, as semínimas, as semicolcheias, e juntando tudo com colagens! Em Chronologie, eu queria usar sons muito antigos. Esta técnica de fita permite obter resultados muito diferentes dos de um amostrador. Eu percebo cada vez mais o quanto devemos a Pierre Schaeffer. Grande parte da música de hoje deve-se a este homem injustamente quase esquecido. Não haveria S 1000 sem Pierre Schaeffer!”

Você também nos oferece belos climas atmosféricos nas transições entre as faixas…

“As transições são talvez o que mais me deixa feliz neste disco. Os presets de sintetizador colocaram pseudo-climas na música dos últimos anos: é muito confortável, você pressiona um preset e tem um som que se desenrola, mas não vai a lugar nenhum. Em Chronologie, eu queria que as transições fossem climas muito elaborados em si. Por que as músicas hoje são mais sedutoras ou prendem a imaginação, independentemente do conteúdo (as letras em inglês são incompreensíveis para a maioria das pessoas)? Isso decorre do fato de existir uma renovação constante do interesse ao nível acústico. A fonética das palavras te faz seguir uma espécie de discurso, como uma história, mesmo que você não entenda o contexto. Essa atenção renovada também pode vir da espacialização e dos movimentos no espaço. Se você ouve música hoje em um espaço que não se move, você se apega ao tema, à instrumentação, mas não há movimento no espaço. Uma das peculiaridades de Chronologie é a mobilidade dos sons do começo ao fim. Eles nunca estão no mesmo lugar. Há muito trabalho de espacialização, trabalho panorâmico, de profundidade. É isso que faz com que essas transições não sejam acidentais. Usei muito o Cyclosonic ES-1, um dispositivo japonês muito superior à maioria dos espacializadores. Um som idêntico, por exemplo, não será percebido como repetitivo, pois nunca chega ao mesmo lugar.”

Chronologie Part 4 aparece como a Oxygene dos anos 90…

Um tubo é a chave pela qual entramos em um disco de música instrumental. Desde a década de 1970, assistimos ao incrível desenvolvimento do sintetizador e ao mesmo tempo um desinteresse do público e a incapacidade dos artistas para desenvolver um discurso instrumental para esses instrumentos. Todos os pioneiros do sintetizador seguiram outros caminhos e muitas vezes de lado. Na produção de um disco como Chronologie, é preciso estar ciente de que existem regras em relação ao ‘amplificador de comunicação’, como dizia Mac Luhan. Existe um formato. Às vezes é bom fugir disso. Em Waiting for Cousteau, há uma faixa de 40 minutos. Já fui bastante criticado por isso, mesmo que parte do público tenha apreciado a abordagem. Para mim, Chronologie Part 4 talvez seja a música que mais vai se ouvir, mas há outras que também poderiam ser tocadas na rádio, tiradas de contexto. Queria que nos quatro minutos de Chronologie Part 4, que vai ser descontextualizado como single, encontrássemos uma ideia de todo o álbum: a dimensão sinfônica, o som analógico, o coral, as sequências, um universo ligado ao tempo e, finalmente, um sentimento que é ao mesmo tempo dramático e otimista.”

Chronologie é sem dúvida um dos seus álbuns mais pessoais?

“Como muitas pessoas nos anos 80, explorei diferentes direções, ligadas a experimentos e eventos atuais. Mas em Cronologie me libertei completamente de tudo isso. Para mim, o problema não é mais se as pessoas gostam ou não desse disco, mesmo que seja mais gostoso ser acariciado nos cabelos. Estou ciente de que este disco sou eu, muito mais do que os álbuns anteriores. Em uma carreira artística, muitas vezes você começa de forma implícita e intuitiva e depois tenta redescobrir sua emoção inicial. Isso é verdade para pintores, escritores, etc. Somado a isso está o efeito paralisante do sucesso que você teve… Muitas vezes você pode se desviar nesta ou naquela direção. Você demora para apagar tudo isso, para desistir de ser o que nunca seria. Eu, nunca serei Prince, mesmo que ame Prince, não é minha cultura, não é minha coisa. Mas como disse Cocteau, explore todos os seus defeitos, porque é você. Quem não gosta de mim vai gostar menos ainda de Chronologie, quem gosta de mim vai gostar um pouco mais.”

Quais seriam os defeitos de Jean-Michel Jarre?

“Tudo é uma questão de ponto de vista. Sou um bocado marginal no mundo do espetáculo, por causa, por exemplo, de não cantar, num universo onde só conhecemos músicas de três minutos! Se não tem letra é porque houve um erro de mixagem… Também não faço música ligada ao conceito de decadência, tipo rock caído e amaldiçoado que vende muito bem, em termos de imagem. Também há mal-entendidos sobre os meus concertos anteriores. Foram considerados como ‘golpes’, sem compreender que se trata de um modo de expressão em si mesmo. Sinto o conformismo ambiental dos promotores, de todo o sistema. Para shows, o formato são centros de convenções…”

Chronologie está ligado a uma turnê europeia. Sua música tem raízes francesas ou você busca uma certa universalidade?

“Minha música é muito francesa, portanto europeia, então pode ser universal. Acho que a música universal é o oposto da world music. Quanto mais próximo você estiver de suas raízes, mais universal você pode ser. Essa é a grande força do cinema americano. Por exemplo, E.T. é muito americano e, por isso, muito universal também, porque o tema do filme toca no universal. É o mesmo com Hitchcock e Chaplin. Não é necessário tocar fado para se ouvir em PortugalSeria como os americanos que fazem vinho tinto, algo muito artificial… Toda a música tem um significado em relação a quem a toca. Incomoda-me quando vejo músicos ocidentais que se vestem com roupas africanas para tocar com músicos africanos. Começa com uma sensação boa, tem um lado olheiro legal, mas pode ser perigoso, porque tem recuperação no ar. A maneira mais humilde de ser universal é ser você mesmo. Sim, acho Chronologie muito francês…”

Existe até um som de acordeom!

“O acordeom é um instrumento ligado à rua, à nossa memória, aos anos 40, ao cinema em preto e branco. Desperta um tipo particular de emoção, onde a gente se divide entre o riso e as lágrimas… e gosto desse sentimento ambíguo em filmes, pinturas ou músicas. Eu gosto de ambiguidade. Começo minha turnê no Mont Saint Michel, lugar ambíguo por excelência, entre o mar e a terra. Também gostaria de ir para a Islândia, uma mistura de gelo e vulcão. Na música, gosto muito de Freddie Mercury, com seu senso de humor transbordante, essa mistura de finesse e grandiloquência. É a mesma coisa com Malher ou Nino Rota ou com Extreme, no hard rock, com Astor Piazzola ou Richard Strauss, em certas óperas, ou com Miles Davis; esses artistas estão sempre entre o irrisório e o trágico. O universo de Fellini me marcou muito desde a mais tenra infância… Lembro-me da presença constante de circos e feiras diante da residência de meus avós, no Cours de Verdun em Lyon. Fui com as crianças do bairro ver a montagem do picadeiro, os saltimbancos, os bichos, a mulher barbada, os anões, os gigantes; este mundo das viagens influenciou-me muito na forma de olhar para os concertos, o gosto pela rua, pelo risco derradeiro, com o salto do acrobata sem redes, a gratuidade do gesto de um artista que trabalha toda a sua vida por um segundo da eternidade…”

Fontes: Conductor of the Masses Magazine Issues 11, 12/13 e 14|Revolution Magazine Issues 2 e 3|Keyboads Magazine Nº 68

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