“Salgado – Amazônia”, mostra que reúne a obra fotográfica do brasileiro Sebastião Salgado, criação sonora de Jean-Michel Jarre e depoimentos filmados de indígenas, estreou na quinta-feira, 20 de maio, em Paris. Imagens impressionantes a serviço de um grito de alarme.
A Amazônia está em grande perigo. E com isso, toda a humanidade. Essa mensagem, o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, 77 anos, vem repetindo há anos, com as armas que tem à sua disposição: começando pela câmera, passando por livros, exposições e campanhas de conscientização. Seu mais recente projeto, Salgado – Amazônia, é uma ótima criação visual e sonora, combinando imagens, sons e vídeos. No caso suas extraordinárias fotos em preto e branco, uma criação musical de Jean-Michel Jarre e, para alguns povos da Amazônia, destacou mini-filmes que nos permitem ouvir suas vozes.
SETE ANOS DE VIAGEM NA FLORESTA
Cerca de duzentas fotos estão em exibição. Ao longo de sete anos de viagens pelas profundezas da floresta brasileira, Sebastião Salgado, fotografou uma dúzia de povos indígenas, entre as muitas tribos que vivem nessas áreas remotas da Amazônia, mais ameaçadas do que nunca pelo desmatamento. Para chegar a alguns deles, ele demorou até sete dias de navegação fluvial, antes de chegar à base da Funai (Fundação Nacional do Índio) mais próxima.
“Quando encontramos estas comunidades na floresta, temos uma sensação dos primórdios da humanidade”, disse com emoção o fotógrafo na terça-feira, 18 de maio, na Philharmonie com um excelente francês (ele tem dupla nacionalidade), durante a entrevista coletiva da exibição. “Não são agressivos, esperam por ti com muito prazer, festa, curiosidade (…) Fiz muitas viagens com eles pela floresta, para pescarias ou expedições de caça para as quais partem durante uma semana, dez dias. Foi tão fantástico poder dormir com eles no mato. Na Amazônia você não dorme no chão, todo mundo pega rede. Sempre tive um antropólogo ou um tradutor ao meu lado. Eles pediam para contar as nossas histórias, eles também contavam as suas. Foram noites fenomenais, feitas de trocas de uma beleza que você não pode imaginar.”
Na Amazônia, Sebastião Salgado e sua esposa, Lélia Wanick Salgado, que é a cenógrafa e curadora da mostra, também foram pegos pela “imensidão” e pela beleza da floresta e da natureza que se ofereceu a eles. “É indescritível. A Floresta Amazônica brasileira representa uma área oito vezes maior do que a França. Entre a entrada do Rio Amazonas no Brasil e a chegada ao oceano Atlântico, ele percorre 4.660 quilômetros. A oportunidade de sobrevoar a Amazônia é inimaginável. Quantas vezes, de helicóptero, enquanto eu tirava fotos, vi Lélia chorar de emoção diante dessa beleza indescritível. É tão imenso, fantástico, ver todas essas árvores, esses tempos de floração diferentes (…) , essas correntes colossais de umidade, essas chuvas como nunca vimos por aqui – temos a impressão de ‘uma explosão atômica’ – ou de um grande vulcão em erupção…”
UMA FLORESTA DE IMAGENS PARA CELEBRAR UM EXUBERANTE, MAS AMEAÇADO PATRIMÔNIO
Lélia fez questão de agradecer por tanta beleza e abundância. Ao entrar no espaço dedicado à Amazônia, você mergulha em uma floresta de imagens. Muitas parecem estar suspensas no ar devido ao hábil processo de suspensão. Sublimadas pela iluminação sutil, as fotos de Salgado possuem sua vida, sua luz, seu pulso interior. E esses mil tons de cinza, do mais escuro ao mais prateado, é uma sinfonia de cores no coração do preto e branco…
Nas fotos, crianças, famílias, voos de pássaros, rios, vistas aéreas de uma natureza de tirar o fôlego nos contam sobre um exuberante patrimônio tão antigo quanto o alvorecer dos tempos, em sua melhor luz, mas ainda em perigo. Sebastião Salgado não mostra imagens de destruição e de incêndios: “Optamos por apresentar uma Amazônia viva. Representa mais de 82%, é a grande maioria. Mas também tem a Amazônia morta.” O fotógrafo decidiu desvendar algumas fotos mais dramáticas, em outro local de Paris, no Espace Krajcberg, em uma exposição intitulada Blessure (Prejuízo).
Na Philharmonie, três povos amazônicos têm direito a um espaço específico, abrigado por paredes circulares vermelhas e inspirado nas “ocas”, as casas da comunidade amazônica. Isso permite ao público ver depoimentos filmados, produzidos para a mostra, e assim ouvir as vozes e as mensagens dos índios. A exposição também abriga duas salas de projeções, onde ressoa a música do compositor Heitor Villa-Lobos e de artistas brasileiros contemporâneos originários – ou impregnados – da Amazônia.
MÚSICA COM CLIMA PERTURBADOR
Todo o espaço expositivo é banhado na criação sonora composta por Jean-Michel Jarre, admirador da obra de Sebastião Salgado. Se a ameaça à floresta e seus povos não nos atinge de frente, isso nos é em parte, sugerido pelas tensões inerentes à música transmitida em estéreo durante o passeio. O clima claramente não é festivo e nem leve.
Antes de entrar para a escrita musical, o músico fez questão de descartar “todos os riscos de quebrar a cara em um projeto como esse”, explicou na coletiva de imprensa: “Não devemos cair na música ambiente, nem em uma espécie de discurso puramente étnico”. Inspirado nas fotos de Salgado “que rodaram por um mês” em seu estúdio, mas também pela “cenografia abundante” de Lélia Wanick Salgado e todas as “perspectivas que se abrem para você”, ele realizou uma consulta com o casal. “A Floresta Amazônica é muito barulhenta. Mas todos os sons de uma floresta são independentes uns dos outros. É o oposto de uma orquestração onde eles são feitos em sintonia. Um pássaro cantando não percebe o som da chuva caindo sobre um pedra, de pessoas conversando ao pé de uma árvore… E, no entanto, todos esses sons formam uma harmonia geral para o ouvido humano. Estabelecer uma forma de caixa de ferramentas com elementos concretos, eletrônicos, orgânicos e naturais.”
Para isso, Jean-Michel Jarre se baseou nos arquivos sonoros do Museu de Etnografia de Genebra. “O outro aspecto que me impressionou muito foi a dimensão de caminhar na floresta. Estamos apenas de passagem. Os elementos sonoros que aparecem e desaparecem imediatamente tornam-se formas de vestígios da nossa própria memória. Na exposição, esses sons tinham que fazer o mesmo.” No final, sua aventura musical resultou em um álbum.
Depois de Paris, a exposição levará sua mensagem de alerta e conscientização para São Paulo, Rio de Janeiro, Roma e Londres.
Fonte: Francetvinfo.fr
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