Encomendada pelo Musée de la musique – Philharmonie de Paris para a exposição Amazônia de Sebastião Salgado e composta por Jean-Michel Jarre, a obra homônima Amazônia, integra cerca de quarenta fontes sonoras gravadas em diferentes locais da Amazônia entre os anos de 1960 a 2019.
Em 2016, o MEG (Museu de Etnografia de Genebra) uniu-se a uma rede de pesquisadores em antropologia de ambientes sonoros amazônicos, para a criação do projeto Contes Sonores (Contos Sonoros), uma instalação imersiva feito de seus arquivos enriquecidos com outras gravações mais recentes. A instalação convidou o público em geral a experimentar de uma maneira sensível e contextualizada as concepções mitológicas e as práticas sonoras de certas comunidades nativas americanas.
Os resultados desta pesquisa foram apresentados a Jean-Michel Jarre em janeiro de 2020 no MEG. Das trocas e discussões sobre as experiências auditivas experimentadas pela população nativa da Amazônia, nasceu a ideia de colocar à disposição de Jean-Michel e de outros antropólogos especialistas da Amazônia, os arquivos sonoros do MEG, para a criação de uma obra musical a ser apresentado na Exposição de Salgado. Esta criação sonora dará origem à publicação de um álbum de Jean-Michel Jarre, de qual parte dos royalties serão doados às comunidades indígenas americanas, de onde se originaram as gravações arquivísticas incorporadas à Amazônia, num projeto de restituição coordenado pelo MEG e liderado pela equipe de antropólogos especialistas.
O MEG mantém um fundo de cerca de quarenta horas de arquivos sonoros da Amazônia, sendo que cerca de trinta horas são de gravações feitas no Brasil (Mato Grosso, Rondônia e Pará) e na Guiana entre 1968 e 1992 por ex-colaboradores do MEG.
Esses arquivos são acompanhados por abundante documentação sobre as condições de existência deste patrimônio sólido. A boa qualidade das gravações sonoras, às vezes feitas em condições difíceis, mostram com exatidão a importância da percepção auditiva na Amazônia.
As gravações incorporadas vêm da mídia original (fitas magnéticas e cassetes de áudio), ou de discos editados em uma cópia, do qual são mantidos nos arquivos do MEG. A estes documentos, são adicionadas outras gravações não publicadas dos arquivos e dados pessoais de quatro pesquisadores antropólogos: Jean-Michel Beaudet, Bernd Brabec de Mori, Matthias Lewy e Pierre Salivas.
O MEG é uma instituição pública fundada em 1901, com a missão de conservar objetos que ilustram a cultura dos povos ao longo da história da humanidade. Abriga um coleção de mais de 70.000 objetos e sua biblioteca oferece mais de 60.000 documentos sobre as culturas de todo o planeta. O Museu possui uma coleção única de gravações musicais e os Arquivos Internacionais de Música Popular (AIMP), que inclui mais de 20.000 horas de música, cujo acervo montado pelo musicólogo Constantin Brailoiu entre 1944 e 1958, formam a base com mais de 3.000 registros históricos.
ENTREVISTA COM JEAN-MICHEL JARRE
Como você projetou o trabalho sonoro para acompanhar a exposição Amazônia?
“Em primeiro lugar, eu queria evitar a abordagem etnomusicológica, ou criar música de fundo. Então eu concebi uma espécie de caixa de ferramentas contendo elementos musicais – orquestrais e eletrônicos – destinados a recriar ou evocar o timbre de sons naturais, ao qual adicionei sons do ambiente, e finalmente fontes étnicas (vozes, músicas e instrumentos) dos arquivos de som do Museu de Etnografia de Genebra (MEG). Aproximei-me da Amazônia com respeito, de forma poética e impressionista. Escolhi os elementos vocais e sonoros em sua dimensão evocativa, em vez de tentar ser fiel a um determinado grupo étnico. Pareceu-me interessante fantasiar a floresta. Ela carrega consigo uma imaginação poderosa; tanto para os ocidentais quanto para os ameríndios. Esta música também evoca uma forma de nomadismo, como se os sons aparecessem e desaparecessem durante uma migração. Era necessário voltar aos princípios da orquestração dos sons da natureza, trabalhar a partir de sons que se seguem aleatoriamente, mas que podem compor uma harmonia ou uma dissonância. E como em qualquer sinfonia, a obra tem momentos de clareza ou tensão.”
Como essa criação será disseminada?
“Dada à cenografia da exposição, que contém espaços fechados, um sistema de som multicanal espacializado não poderia funcionar. Nós optamos por um estéreo clássico e estamos fazendo um esforço para alcançar uma qualidade de restituição da obra de arte em baixo nível. Também estamos dando grande atenção nas baixas frequências, que são mais importantes do que você pode imaginar em uma paisagem de floresta. Elas serão disseminados usando alto-falantes distribuídos pelo ambiente.”
Quais são as obras que te marcaram nesse processo de transcrição da natureza?
“Sinfonia Pastoral de Beethoven, O impressionismo de Debussy, um pouco de música africana também. E aquelas que podem usar instrumentos que imitam o som da natureza. Não devemos esquecer que uma grande parte dos primeiros instrumentos foram projetados para imitar os sons do ambiente. E então, de modo geral, música eletrônica e instrumental frequentemente descritiva, que despertam a imaginação.”
Artistas ocidentais interessados em culturas que às vezes são estranhas para os críticos denunciam certos processos de “re-apropriação cultural”. Como você defende sua abordagem?
“Você não deve ter medo de lidar com certos assuntos. É apenas uma maneira de fazer uma homenagem à Amazônia. É importante falar sobre isso. Os visitantes devem estar cientes da floresta, de seus habitantes e as ameaças ao qual são confrontados. É tão importante quanto uma crítica que pode fazer seus argumentos. Como qualquer ponto de vista, este trabalho fotográfico é discutível. Vamos parar de pensar que existem coisas para as quais o artista não pode tocar. A partir do momento em que se aborda um domínio com respeito e sem exploração cínica, não podemos condenar uma abordagem artística. Por fim, acredito que o olhar do outro é importante. É preciso estabelecer vínculos, enfrentar o olhar do outro, e esse visual também é mais importante para os nativos da Amazônia do que para nós.”
Leia abaixo o Programa completo da Exposição de Sebastião Salgado em Paris (em francês):
Um pequeno livreto de 24 páginas será oferecido ao público gratuitamente, para aprofundar e esclarecer a dimensão musical do projeto fotográfico de Salgado. Mesmo que algumas das questões abordadas sejam complexas, o livreto é destinado ao público em geral e vai oferecer a audição de sons e músicas presentes na Exposição, graças a um sistema de QR Code. Vários tipos de textos serão coletados, com entrevistas de Jean-Michel Jarre e Sebastião Salgado, além de notas explicativas escritas por musicólogos ou etnomusicólogos franceses e europeus, especialistas na Amazônia.
Fonte: Philharmonie de Paris
O site alemão Inside Out Music está oferecendo uma oferta exclusiva da edição em vinil do álbum “Amazônia” autografado pelo Jean-Michel Jarre, com o livro de fotos da Exposição de Sebastião Salgado, em edição limitada a 50 unidades. Quem se interessar, o preço é de 159,00 euros e a compra é por conta e risco de cada um:
Jean-Michel Jarre – Amazônia (Ltd Signed LP & Photo Book) (insideoutshop.de)
“Este livro é dedicado aos povos indígenas da Amazônia brasileira. É uma celebração da sobrevivência de suas culturas, costumes e línguas. É também um tributo ao seu papel como guardiões da beleza, dos recursos naturais e da biodiversidade da maior floresta tropical do planeta diante do ataque implacável do mundo exterior. Somos eternamente gratos a eles por nos permitirem compartilhar suas vidas.” — Sebastião Salgado e Lélia Wanick Salgado
Fonte: Inside Out Music
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