Ele tem sido aclamado como “O Padrinho da Música Eletrônica” e provou ser um pioneiro musical desde os meados dos anos 1970. Então não é nenhuma surpresa que Jean-Michel Jarre esteja entusiasmado com a ascensão da Inteligência Artificial. O homem que alcançou a fama com o seu inovador álbum Oxygene em 1976, e que desde então continua inovando, é modesto quanto à referência de padrinho, insistindo: “Gosto da imagem românica e italiana, mas foi tudo uma questão de tempo e tive muita sorte de viver através de três momentos de ruptura. Quando comecei na música eletrônica quase não tinha referências porque antes de mim não tinha muita gente trabalhando e lidando com sintetizadores. Foi um estilo de composição totalmente diferente”. O segundo momento de ruptura? “Isso, é claro, foi o surgimento dos computadores e da era digital.” E o terceiro? “Esse é talvez o mais importante e é o surgimento da I.A. Acho que, para os jovens artistas, é uma oportunidade fantástica de realmente moldar o futuro com novos instrumentos e novas tecnologias. É estranho como, especialmente na Europa, temos medo da inovação. Sempre pensando que ontem foi melhor e amanhã será pior…”
Falando ao telefone de seu apartamento em Paris, Jarre, de 75 anos, acrescenta: “Obviamente isso não é verdade, caso contrário você e eu não estaríamos conversando hoje. E acho que o apetite pela inovação é muito vívido hoje em dia para os jovens artistas. Este momento de ruptura criará o poder de amanhã.”
O compositor, produtor e intérprete francês é um pensador do futuro que levou os estilos vanguardistas de nomes como Tangerine Dream e Kraftwerk para o mainstream e vendeu mais de 85 milhões de discos, ao mesmo tempo em que realizava espetaculares concertos ao vivo que influenciou tantos artistas.
Ele é um homem da fronteira sonora que declara: “Alguns artistas adoram se repetir porque isso os faz sentir seguros. Mas estou bastante convencido de que qualquer tipo de artista, em qualquer forma de arte, deveria usar sua curiosidade para explorar novos territórios e para expressar-se dentro de seu próprio estilo.”
A I.A., na sua opinião, é uma ferramenta que não deve ameaçar os criadores de música porque nunca os substituirá. “A tecnologia é neutra”, explica. “Tudo depende do que fazemos com ela e, para mim, a I.A. é uma extensão da minha imaginação. A I.A. é a ideia de recolher grandes volumes de dados, certo? E quando temos uma nova ideia, o que está acontecendo é que estamos colhendo nossos próprios dados – nossas lembranças, nossa cultura, nossas recordações – de forma aleatória, escolhendo do nosso passado alguns elementos aleatórios e dando origem a essa nova ideia musical. Com a I.A. é o mesmo processo. Nunca devemos esquecer que a I.A, tem a ver com a colheita do passado. Não vejo qualquer tipo de perigo nisso. Todas as novas tecnologias são potencialmente perigosas”. Faz uma pausa e procura uma analogia explicativa e surge com uma expressão bacana: “A primeira invenção foi o fogo, e o fogo pode ser muito perigoso, mas também ajudou a criar brigadas de incêndio”.
O novo álbum de Jarre, o 23º até agora, foi feito com pessoas reais, não com seres artificiais. Oxymoreworks é uma reformulação de Oxymore de 2022, com Brian Eno e Armin van Buuren como nomes mais conhecidos dos convidados, em uma lista que também inclui Deathpact, Nina Kraviz e French 79. O álbum original foi uma homenagem a Pierre Henry, o falecido compositor francês que trabalhou na área da música concreta nas décadas de 1940 e 1950, utilizando sons gravados como matéria-prima para as suas composições.
Jarre vê Henry e seus contemporâneos, como o trabalho de Pierre Schaeffer, como influentes e inovadores. “Eles tiveram uma grande influência no futuro, na forma como fazemos música hoje em dia, com este tipo de abordagem culinária, misturando temperos e ingredientes para criar resultados inesperados.”
Quando se trata de ‘Oxymoreworks’, o homem que tende a trabalhar sozinho, mas que também fez o projeto paralelo Electronica, onde convidou outros músicos, ficou fascinado pela ideia de revisitar um álbum através de lentes colaborativas. “Então pedi a alguns artistas que criassem uma espécie de extensão do álbum original, para retrabalhar algumas das faixas de suas escolhas. De certa forma, eu também os convidei a prestarem homenagens às raízes da música eletrônica que Henry e Schaeffer exploraram.”
Jarre é um explorador desde que estudou piano clássico, frequentou clubes de jazz com sua mãe (seu pai, o lendário compositor de cinema Maurice Jarre, mudou-se para os EUA quando ele tinha cinco anos), tocou guitarra em uma banda de rock local e começou experimentando loops de fita e sons eletrônicos. Em 1976, utilizando sintetizadores analógicos e instrumentos eletrônicos, gravou ‘Oxygene’ em um estúdio caseiro na sua cozinha. As grandes gravadoras ficaram perplexas com suas faixas longas e sem vocais, mas, lançado por uma gravadora independente francesa, vendeu até hoje 18 milhões de exemplares em todo o mundo.
Lançado dois anos depois, Equinoxe foi outro grande sucesso de vendas que solidificou seu status como um grande nome da música eletrônica. Não houve pressão na primeira vez. “Todos os artistas sabem que o primeiro álbum, seu primeiro sucesso, é bastante pacífico porque ninguém espera nada de você. ‘Oxygene’ surgiu durante a era do punk e disco, então era um OVNI total, uma fera estranha. Havia mais expectativas em torno de ‘Equinoxe’. Mas você tem que perceber o mais cedo possível que, na verdade, os sucessos – assim como os fracassos – são acidentes. Como artista, seu caminho está no meio e quanto mais cedo você perceber isso, melhor será”.
A maioria de seus álbuns subsequentes tiveram vendas saudáveis e você não o ouvirá reclamando da Sony Music, com quem ele está há muitos anos. “Tenho um excelente relacionamento com minha gravadora e eles me deixam fazer mais ou menos o que eu quero. Eu sei que hoje em dia muitas pessoas acham muito legal reclamar da indústria e, sim, há brigas em torno do respeito à propriedade intelectual e aos direitos de autor. Mas você não deve esquecer que nas gravadoras há muitos mocinhos e mocinhas que são realmente apaixonados por música.”
Os detalhes técnicos de fazer discos mudaram, mas os princípios permanecem os mesmos. “É tudo uma questão do que você deseja evocar em termos de sentimentos. Não há progresso nos sentimentos humanos. Olhando para 5.000 anos ou 200 anos atrás ou hoje ou no futuro, os artistas estão a expressar o mesmo tipo de sentimentos, como a solidão, o amor, o ódio, a nossa relação com a morte ou a cultura, seja o que for. Esses tipos de sentimentos fundamentais são atemporais. O que está mudando são os instrumentos que você está usando. Usar um computador não é o mesmo que usar um sintetizador analógico, por exemplo, mas o diálogo com a interface permanece mais ou menos o mesmo.”
Os shows ao vivo de Jarre são lendários. Ele se apresentou na Place de la Concorde e no La Défense em Paris, no 25º aniversário da NASA em Houston, no Egito, na China, nas docas de Londres e no deserto do Saara, deslumbrando multidões com maravilhas visuais e quebrando recordes de público. Mesmo um homem de aparência modesta como Jean-Michel, tem que admitir que teve um enorme influência em outras bandas, dizendo: “Hoje você não pode conceber uma turnê nos campos da música pop, rock ou eletrônica, ou mesmo no hip-hop, sem elementos visuais massivos.”
Seu interesse e aceitação da I.A. parecem apropriados para um músico cujo site oficial o descreve como “otimista por natureza”. E ele tem uma visão interessante sobre o que isso significa nos dias atuais. “Acho que hoje temos que ser otimistas por subversão. Estou farto de pessoas sempre reclamando, depois de séculos, da ideia de que ontem foi melhor e amanhã será pior. Como eu disse antes, até agora não foi o caso, mas este tipo de visão apocalíptica do futuro está provavelmente no DNA humano porque sabemos que não faremos parte desse futuro. Com otimismo, é apenas uma questão de ser realista. Com a I.A., por exemplo, deveríamos criar urgentemente regulamentações. Todas essas pessoas dizem: Mas a regulamentação está prejudicando a liberdade. Isso é bobagem. A diferença entre a democracia e o caos é, na verdade, o fato de criar regras”.
Comparando l.A. a uma revolução industrial, Jarre acrescenta: “Temos de criar regras para a propriedade intelectual e para proteger alguns dos aspectos sociais daquilo que poderia ser realmente prejudicial para alguns pessoas em nossa sociedade. Então, sim, temos que criar as regras, mas ao mesmo tempo estamos criando novas ferramentas.” Ele ri. “Não vejo necessariamente um caminho para um futuro apocalíptico, do tipo Arnold Schwarzenegger em O Exterminador do Futuro.”
Quanto ao seu futuro mais imediato, Jean-Michel não descarta um retorno à franquia ‘Oxygene’ que ele explorou em vários álbuns. “Como o diretor italiano Federico Fellini me disse um dia, durante toda a sua vida ele pensou que estava fazendo filmes bem diferentes, mas olhando para trás ele percebeu que fez mais ou menos o mesmo filme repetidamente. Não estou particularmente interessado em me repetir, mas acho que uma prequela de ‘Oxygene’ poderia ser divertida.”
Com a ajuda da I.A., é claro…
Fonte: Retropop Magazine Nº 23 – Janeiro de 2024|Por: Simon Button
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