Desde o lançamento do revolucionário Oxygene (1976), Jean-Michel Jarre continuou a ultrapassar os limites da experiência musical. De volta ao final de 2022 com Oxymore, álbum em forma de homenagem aos pais da música concreta Pierre Henry e Pierre Schaeffer, o pioneiro francês vai oferecer um show excepcional no IRCAM (Institut de Recherche et Coordination Acoustique/Musique – Instituto de Pesquisa e Coordenação de Música e Acústica) no “Espaço de Projeção”, salão mítico finalmente reformado. Uma viagem imersiva ao coração do som espacializado, como parte do festival “IRCAM en fête”. Para a ocasião, ele retorna aos fortes laços que o unem ao Centre Pompidou, mais conhecido como Beaubourg.
Para Jean-Michel Jarre, é simples: “Existe uma verdadeira sincronia entre Oxygene e Beaubourg”. Quando “Oxygene” foi lançado, o Centre Pompidou mal havia saído do chão – foi inaugurado em 31 de janeiro de 1977. Com esse OVNI discográfico considerado hoje uma obra-prima da música eletrônica, o jovem Jean-Michel Jarre se impõs. “Oxygene” vendeu dezoito milhões de cópias em todo o mundo. Desde então, o ex-aluno de Pierre Schaeffer no Groupe de Recherches Musicales (GRM) tornou-se a estrela que conhecemos. Aos 74 anos, Jarre continua sendo esse eterno jovem apaixonado por novas tecnologias, um ardoroso defensor do Metaverso e das experiências em VR (Realidade Virtual). Com “Oxymore”, ele continua seus experimentos sonoros, pois o álbum foi inteiramente concebido e composto em som binaural, multicanal, e mixado em áudio de 360° nos estúdios “Innovation” da Radio France. Jean-Michel Jarre retoma o conceito de música concreta para reinventá-la usando as ferramentas atuais. “Sempre pensei que música concreta, ou música eletroacústica, na verdade tinha aspectos pesados e delicados, então tentei incluir esses dois elementos em ‘Oxymore’. A música de Pierre Henry, tal como a música electroacústica, assenta nos pilares de sons delicados, complexos e sutis, mas também sons mais fortes, enérgicos, crus, como uma espécie de apologia ao oxímoro.”
Para celebrar a reabertura do “Espaço de Projeção” (também conhecido como “Espro”), o músico fará uma apresentação de “Oxymore”, além de um prólogo preparado especificamente para o evento. Totalmente isolado em um sistema arquitetônico de caixas de rodízio, dezesseis metros abaixo da Place Igor Stravinsky, o “Espro” é um local de experimentação acústica e exploração musical. “É um lugar incrível e revolucionário, você pode modificar diretamente a arquitetura do lugar e dar uma sensação de reverberação sonora. Pode passar do som de uma catedral ao de um pequeno estúdio…”. Será uma experiência imersiva total e única. Um encontro com um estudioso, para quem o Centre Pompidou continua sendo uma marca pessoal.
“Beaubourg é um local muito importante no meu percurso pessoal, porque sempre tirei as minhas fontes de inspiração das artes gráficas – hesitei durante muito tempo entre a pintura e a música. A pintura abstrata, e em particular a abstração lírica de Hans Hartung, o ‘dripping’ de Jackson Pollock ou a ‘art brut’ de Jean Dubuffet, por exemplo, têm para mim muito a ver com a música concreta. Existe uma correspondência entre os dois, como o fato de trabalhar com um material muito concreto, orgânico e sensual. Deveríamos até, na minha opinião, chamar isso de ‘pintura concreta’. Pierre Soulages foi um pintor cujo trabalho sempre acompanhei. Quando eu tinha 14 ou 15 anos, minha mãe me levou para ver uma exposição, e foi um choque… Foi aí que fiz a ligação entre a música que eu começava a explorar na época, concreta e eletroacústica, e esse trabalho não figurativo que partiu do mesmo princípio: é o que você faz que o leva aonde você quer ir. Em 2010, vim visitar a exposição dedicada a Soulages que reunia uma centena de grandes obras do pintor. Ele estava prestes a completar 90 anos e fiquei impressionado ao ver que suas telas explorando “outrenoir”, foram feitas nos seus últimos anos. São as mais fortes para mim. Houve uma continuidade nas emoções que senti, com anos de diferença, quando me deparei com as suas obras.”
“No Centre Pompidou existe uma ligação especial que se estabelece entre as obras e o edifício. A aparência externa, imponente e louca, nos prepara para o inesperado… É um lugar onde tenho ido muito com meus filhos. É uma madeleine de Proust* pessoal. Minha filha Émilie desenvolveu uma paixão por ‘Wassily Kandinsky e Joan Miró’, e fomos juntos ver e aproveitamos para rever ‘Com o Arco Negro’. Também fiquei muito marcado pela retrospectiva de Dalí em 1979, tenho uma lembrança precisa porque foi o ano do meu primeiro show ao ar livre na Place de la Concorde. Havia salsichas gigantes penduradas no teto, um carro decolando de uma colher gigante, essa ‘feira heroica’ foi incrível! A combinação arquitetura inovadora com o artista iconoclasta trabalhava a pleno vapor. O que é raro é criar uma obra que seja a própria exposição, e foi o caso aqui.”
“Beaubourg é uma espécie de aeroporto onde não existem aviões, mas onde estamos em constante trânsito. Fiquei imediatamente tocado por este lugar, sua visão de um futuro dinâmico e positivo. Na época do nascimento do Centre Pompidou, havia um verdadeiro apetite pelo futuro. Pensávamos no ‘Ano 2000’, nos carros voadores… O transatlântico futurista de Renzo Piano e Richard Rogers simbolizava tudo isso. Com seu lado meio Shadocks**, bem setentista, o Centro é uma visão inocente, quase ingênua do futuro. Tem um lado vintage, retro-futurista, foi pensado desde o início como um vestígio do futuro… Vejo uma certa lógica francesa entre a Torre Eiffel e o Centro, ambos construídos num imenso gesto arquitetônico, e que se danificaram por causa da pátina. Gosto do fato de ter sido restaurado de maneira respeitosa.”
“O Centre Pompidou é também a brilhante intuição de que é preciso conjugar cinema, artes plásticas, literatura e som, neste lugar único que é o IRCAM, para sempre associado à personalidade de Pierre Boulez. É um centro de pesquisa e inovação contínua, alinhado ao Groupe de Recherches Musicales. Na França, paradoxalmente, o som foi pouco promovido pelas elites, ao contrário da Alemanha ou da Itália. No entanto, temos alguns dos maiores pioneiros do gênero. É na França que contribuímos amplamente para estabelecer a boa gramática sonora do século XXI.”
Jean-Michel Jarre realizará duas apresentações no dia 14 de janeiro, no “Espaço de Projeção” do IRCAM: a primeira às 18:00 (horário local, 14:00 no horário de Brasília) e a segunda, às 20:00 (16:00 no horário de Brasília). Todos os ingressos já foram vendidos com preços variando entre 5 e 18 euros.
Fonte: Centre Pompidou
*madeleine de Proust: expressão da língua francesa que se refere à memória involuntária, que acontece quando um som, cheiro ou sabor faz com que uma pessoa se lembre de algo, sem nenhum esforço adicional.
**Shadocks: série animada de televisão criada pelo cartunista francês Jacques Rouxel que causou sensação na França quando foi transmitida pela primeira vez no período 1968-1974.
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