O compositor Jean-Michel Jarre fala sobre o ambiente sonoro que imaginou para a exposição “Amazônia”, e o fotógrafo brasileiro, revela seu amor pela ópera e pelas composições de Villa-Lobos e do amigo Chico Buarque.
“Nunca estive na Amazônia, mas pretendo leva-lá para a Philharmonie de Paris”, brinca Jean-Michel Jarre sobre Amazônia, a trilha de 52 minutos composta como ambiente sonoro para a próxima exposição de Sebastião Salgado na Philharmonie de Paris. Um trabalho de comando à parte na carreira do criador de Oxygène e o resultado, hoje, o encanta.
“Não é uma trilha sonora sincronizada como em um filme”, ele explica. “É uma música que tem que funcionar independentemente da foto para a qual você estará olhando, porque em uma exposição você sempre se move aleatóriamente. Os sons não são diferentes na barulhenta e imprevisível Floresta Amazônica. A peculiaridade é que todos eles são independentes um do outro: um pássaro canta, o vento sopra nas folhas, um animal passa, uma fogueira estala. Formam uma harmonia global e sempre em movimento”.
ARQUIVOS DE AMERÍNDIOS E SONS ELETRÔNICOS
O disco resultante desse trabalho chegou ao topo das paradas eletrônicas da Europa em abril. Diante desse sucesso inesperado, foi a própria exposição, que está pronta desde o final de março, que encantou o compositor. “Desde o início, ficamos impressionados pelo viés da cenografia e seu efeito de abundância. Nada parece calmo porque em todos os lugares há vazamentos de luzes e fotos suspensas, sombras lançadas e perspectivas oblíquas como há na floresta. É muito original. O suficiente para reviver um sentimento de desordem e imersão aderindo bem ao seu projeto. De todos os sentidos, a audição é o que mais nos conecta. Sempre fico impressionado ao ver os cegos muito felizes e os surdos mais retraídos.”
Sebastião Salgado e Jean-Michel Jarre rapidamente chegaram a um acordo “sobre o que [eles] não queriam fazer”: mergulhar na música de fundo e no exotismo. “Queria que não provocasse muito ansiedade, mas que fosse bastante difundido, com sombras, luzes, serenidade e tensão. É tudo o que encontramos nessas fotos.” , disse o pioneiro do eletro. Para fazer isso, ele criou uma ‘caixa de ferramentas’ com arquivos de sons ameríndios emprestados do Museu de Etnografia de Genebra, bem como elementos orquestrais ou eletrônicos. “Eu também tinha uma apresentação de slides das fotos de Salgado passando pela minha tela, com a qual convivi por semanas”. Ele também mergulhou em músicas relacionados à natureza, como ‘A Sagração da Primavera’, ‘A Sinfonia Pastoral’ ou ‘Sketches of Spain’, de Miles Davis.
Jarre também assistiu ‘Os Pássaros’, de Hitchcock. “Muito impressionante porque a maioria dos sons dos pássaros são recriados eletronicamente. Esse lado artificial hiper-realista me trouxe de volta às imagens de Sebastião e à violência do preto e do branco, que na verdade é uma infinidade de tons de cinza com matizes que lembram Goya” . Um preto e branco quase filosófico para Jean-Michel Jarre, cantando sobre contrastes e complexidade.
O ZUMBIDO DE UM ZANGÃO AMEAÇADOR
“Gosto que Salgado não seja tanto documentarista como é como artista: a sua força está na sugestão, no poder de evocação”. Assim como a Floresta Amazônica, que ele capturou em mais de 200 fotografias, Salgado abre um reservatório de fantasias e nos leva ao coração das trevas. “Dá para sentir as incertezas do nosso planeta e da nossa humanidade em perigo”, estima Jarre, que oferece a mesma experiência com a sua partitura. Aqui, ele deixa pairar o zumbido de um zangão ameaçador, para ouvir os sons de fogos crepitantes, que às vezes são quentes e protetores, e às vezes, são perturbadores.
“Amazônia”, o mais recente projeto do fotógrafo Sebastião Salgado, em sintonia com os anteriores “Genesis”, “Terra” e “Êxodus”, será finalmente apresentado na Philharmonie de Paris, a partir de 20 de maio, por ocasião da reabertura dos eventos culturais. A mostra é composta por 200 fotografias em grande formato, tiradas das andanças de Sebastião Salgado, durante os seis anos que ele passou no seio da floresta brasileira, e o mais próximo possível dos povos indígenas, em um santuário ameaçado pelo desmatamento. Para este evento com ressonância ecológica, prevista para ser exibida também em Londres, Roma, Rio de Janeiro e São Paulo, o fotógrafo franco-brasileiro e sua esposa e cenógrafa Lélia Wanick-Salgado, pensaram em música.
A exposição será acompanhada por uma criação sonora composta por Jean-Michel Jarre, por um evento sinfônico recebendo Philip Glass, e também por músicas do compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos (1887-1959), cujas obras orquestrais cantam a harmonia entre a natureza e homem. Também amigo dos lendários compositores nacionais Chico Buarque e Gilberto Gil, Sebastião Salgado pretende saudar o patrimônio musical do seu país, decisivo na sua abordagem como fotógrafo humanista.
Por que você pediu uma criação de Jean-Michel Jarre?
“A exposição foi pensada como um mergulho na Floresta Amazônica, com uma cenografia muito original articulada em torno de uma meia-luz onde as fotografias servem como poços de luz, trazendo vida. Para sustentar essa impressão, queríamos um ambiente sólido com água, chuva, vento, animais, etc. Foi Jean-Michel quem fez este trabalho a partir dos arquivos sonoros do Museu de Etnografia de Genebra, sem relação com a música habitual pela qual ele é conhecido em todo o mundo.”
Neste verão, uma orquestra sinfônica tocará Villa-Lobos em suas fotos. Por que essa associação?
“Ao combinar a beleza dos sons com a das imagens, esperamos mover as linhas enquanto Villa-Lobos nunca teve o reconhecimento que merece na Europa. Nós, brasileiros, nascemos com sua música. Seja para cordas, violão ou piano, ele as elaborou a partir de nosso folclore. É procurado e popular, é a personificação do cruzamento brasileiro. Isso fica evidente em ‘A Floresta do Amazonas’ [que será apresentada no dia 31 de agosto pela orquestra da Opéra de Rouen Normandie, sob a direção da maestrina Simone Menezes]. Este majestoso poema sinfônico envolve vozes em onomatopeia e ritmos tribais. Na presença das fotos projetadas, é uma viagem, um sonho.”
Como você descobriu?
“Foi graças à minha esposa Lélia que conheci a música clássica. Eu a conheci com 19 anos. Ela tinha 17 e estava estudando música. A mãe chegou a cantar Bachianas Brasileiras Nº 4 no coral sob a direção de Villa-Lobos! Não ouvia música clássica, vivia longe de tudo no mundo, longe do meu pai… Ele tinha 12 grandes fazendas onde bois eram criados. Uma vez por ano, dirigíamos 1.000 cabeças ao matadouro, que duravam dois ou três dias. Foi nesses passeios que aprendi o alarido, um som familiar das fazendas brasileiras que permite compor tudo com música, poemas, humores … Até hoje canto dessa forma espontânea, meio cantarolada. Todo mundo pode exercê-lo com seu tom. Os índios fazem isso também, do jeito deles. Eu vi eles trocando notícias enquanto cantavam, foi muito bonito. Música é Brasil.”
Qual é o lugar da música no seu trabalho?
“Ela rapidamente assumiu um grande poder, pois entendi que ela estava me ajudando. Fotografar é seguir uma parábola, integrar nas pessoas, formas, uma luz que nunca se deixa ir. Só que após 36 exposições, é necessário quebrar esse tempo de proporção para mudar o filme. Tive muita dificuldade em passar por isso. Até que um dia percebi que fotografar cantando alaridos me ajudava a manter o foco e também chamava a atenção das pessoas que fotografava. Foi uma grande descoberta. É o mesmo com a música que ouço, principalmente clássica, quando edito minhas imagens. Meu iPod contém 9.200 músicas, a maioria óperas, sinfonias, sonatas, recitais … Ópera, acho isso energizante, é uma viagem sempre. Eu adorei fazer uma reportagem sobre Parma e Verdi em 2000. E eu sou um frequentador assíduo da Opéra Bastille, moro na casa ao lado.”
Quais são os compositores que o tocam em particular?
“Há muitos! Sou louco por Chopin, Mozart, Beethoven… Mas nunca esquecerei minha sogra tocando no violino a composição ‘Finlândia’, de Sibelius, com suas filhas ao piano. O que Sibelius fez pela Finlândia me leva de volta ao que Villa-Lobos fez no Brasil: o vasto país em que ele poderia passar dois anos como morto, quando ele ia realmente estudar os sons das comunidades indígenas mais remotas na Amazônia. Organizei muitas projeções das minhas fotos com música clássica. Henryk Górecki, a quem também adoro, acompanhou algumas sequências muito duras que fiz na África. Claro, eram músicas compostas para o Holocausto, mas funciona… Mais perto de nós, está também Jonathan Elias, um novo compositor de Los Angeles que trabalha com Sting. Eu gosto muito.”
E a música popular brasileira?
“Ela está no meu sangue. Chico Buarque, com quem escrevi ‘Terra’, um livro sobre o Movimento dos Sem Terra em 1996, é um poeta incomparável na minha opinião. Ele é capaz de ir do romantismo profundo a coisas muito militantes. Costumo cantar suas canções. É um amigo de trinta anos que meu filho Rodrigo, que tem Síndrome de Down, chama de “Chico disco” ou “Chico pizza”. Somos da mesma geração, a do tropicalismo, e passamos pelas mesmas provações quando foi preciso fugir da ditadura.”
Salgado – Amazônia:
De 20 de maio a 31 de outubro na Philharmonie de Paris
Endereço: 221 Avenue Jean Jaurès, 75019 Paris – França
Horários:
Terça a sexta: das 12:00 às 18:00
Sábado e domingo: 10:00 às 20:00
Abre às 10:00 durante as férias escolares (6 de julho a 1º de setembro)
Fontes: Jean-Michel Jarre a composé l’environnement sonore de l’exposition “Amazônia” à la Philharmonie|EXCLUSIF. Le photographe Sebastião Salgado : “La musique est dans mon sang”|Philharmoniedeparis.fr
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