A Polônia é um país que sofreu bastante nas mãos das potências européias nos últimos 200 anos. Das Guerras Napoleônicas, passando pela Unificação Alemã, a I Guerra Mundial, a ocupação nazista na II Guerra Mundial e finalmente a invasão soviética e a implantação de um regime ditatorial de extra-esquerda pró-Moscou nos anos da Guerra Fria (1945-1990), foram anos de opressão do povo humilde que se apegou bastante a Religião Católica. Um povo que teve a cultura praticamente estagnada pela mão de ferro de seus ditadores e a violência das forças de segurança nacional, que proibiam qualquer tipo de manifestação pró-ocidente, onde tudo que era de fora da Cortina de Ferro, era demonizado. Então como explicar a crescente popularidade do músico francês Jean Michel Jarre em um país que foi fechado ao mundo por quase 50 anos?
Por volta dos anos 80, um movimento sindical, que começou a agitar protestos e greves no Estaleiro de Gdansk, uma cidade portuária da Polônia, chamou a atenção do ocidente para a causa polonesa por mais liberdade. Este movimento sindical foi liderado pelo sindicalista Lech Walesa, que fundou o Sindicato Solidarnosc? (Solidariedade) que lutava contra o regime ditatorial comunista polonês. Walesa acabou sendo preso e o Solidariedade posto na ilegalidade pelo regime polonês. Ao mesmo tempo, que este movimento surgia na Polônia, a Igreja Católica Apostólica Romana, elegia pela primeira vez na história, um Papa polonês, o cardeal Karol Wojtyla se tornava João Paulo II, cujo papado foi marcado pela luta contra os regimes ditatoriais, em especial os de julgo comunista. O Papa João Paulo II chamou a atenção dos problemas da Polônia para o mundo ocidental, que logo passaram a cobrar a liberdade de Walesa da prisão. Por sua luta pelos direitos humanos na Polônia, Lech Walesa ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 1983. O líder do Solidariedade foi posto em liberdade e ajudou a mudar e ocidentalizar a Polônia, com o fim da Guerra Fria e se tornar o primeiro Presidente eleito pelo povo na Polônia, após o fim do Regime Comunista. E o Jarre, onde entra nesta história toda?
Como acontece em várias partes do mundo e também ocorreu na Polônia na época da ditadura comunista, havia um mercado negro para produtos ocidentais, incluindo ai, discos de artistas internacionais, o que era proibido ao país pelo governo. Assim, alguns jovens, conseguiam acompanhar, com muito custo, o que acontecia no mundo da música naquela época. Alguns álbuns de J.M.Jarre entraram no país pelo mercado negro e chegaram a tocar nas rádios polonesas. O regime ditatorial, que controlava a mídia no país, não interveio, pois achava que as músicas do artista não poderia ser consideradas subversivas, já que o artista havia se tornado o primeiro músico ocidental a tocar na China comunista em 1981. Mas para os poloneses, a música de J.M.Jarre era libertadora e foi usada para os poloneses terem um pouco do contato com o resto do mundo. Um meio de liberdade em um país que oprimia as pessoas. Cartões-postais musicais com faixas como “Oxygene 4” e “mag.Fields 2” eram comuns naquele período negro. Então, sem mesmo saber desta situação, que ele iria descobrir quase 20 anos depois, Jean Michel Jarre, serviu para levar a liberdade para os poloneses. Outro fato que ajudou também a popularização do artista foi o Concerto de Lyon, em 1986, durante a visita do Papa polonês João Paulo II a cidade natal de Jarre. Pois ambos se tornaram amigos após o ocorrido.
O artista só começou a ter idéia da popularidade que tinha na Polônia e nos outros países da antiga “Cortina de Ferro”, incluindo a Rússia, após o fim da Guerra Fria, em 1990, quando começou a receber cartas de fãs procedentes daqueles países. E outra surpresa foi em 1997, quando lançou o álbum “Oxygene 7-13”. Além da França, a Polônia se tornou um dos poucos países do mundo a dar “Disco de Ouro” para a gravação. Valendo-se disto, Jarre realizou uma turnê para divulgar o álbum e colocou algumas antigas repúblicas comunistas na rota. A Polônia viu o artista pela primeira vez na cidade de Katowice, em 21 de Julho de 1997, show realizado na Spodek Arena, completamente lotada. Foi à única apresentação desta turnê Oxygene de 1997, que houve transmissão ao vivo pela TV, realizada pela TV estatal do país.
Mas os poloneses esperavam mais, com apoio do governo da Polônia e várias empresas e após vários meses de negociações, aonde o mesmo quase chegou a ser cancelado, com a intervenção do próprio Jarre, que declinou na última hora do cachê milionário, só para realizar o sonho de milhares de poloneses, o Maestro das Multidões realizou um dos seus megashows que mais gostou de realizar pessoalmente, o “Space of Freedom”, que ocorreu em 26 de Agosto de 2005 nos estaleiros de Gdansk. Foram quase 200 mil pessoas que se acotovelaram para ver o artista tocar no antigo berço do Sindicato Solidariedade que completava 25 anos. O show, também transmitido pela TV estatal, contaria com faixas inéditas e uma homenagem ao Papa João Paulo II, falecido um ano antes. O Concerto tornou-se mais tarde um DVD e um CD, além de um photobook, disputado a tapas por fãs do mundo inteiro. Foi nesta época que Jarre tornaria amigo do ex-presidente Lech Walesa.
Jarre voltou à Polônia algum mês após o concerto de Gdansk para receber prêmios seja por vendagem de seus álbuns lá, seja por conjunto da obra ou mesmo por ser o artista do ano no país. Nas turnês seguintes, “Oxygene 2008”, “In-Doors 2009” e “2010”, o artista não esquece de incluir sempre a Polônia no roteiro. Sendo que para a atual turnê “2010”, foram tanto shows no primeiro semestre como no segundo semestre, algo que só aconteceu com a França,país natal do artista, com direito a um retorno a Gdansk. Suas visitas são bastante divulgadas na mídia local e seus fãs poloneses fazem loucuras para ver o artista de perto, lembrando até alguns momentos da beatlemania dos anos 60.
Para seu retorno no segundo semestre de 2010, para mais 4 shows, Jarre foi convidado para a festa de Independência do país, onde acabou lançando uma pomba da paz no céu, durante o cerimonial. Ainda se encontrou com o velho amigo, Lech Walesa. Apoiou a cidade de Gdansk como candidata ao título de “Capital Européia da Cultura” de 2016, se dizendo Embaixador da cidade e é claro, hipnotizou mais uma vez seus fãs com seus concertos indoors.
VÍDEO – JARRE LIVE IN POLAND (PLOCK)
Nós brasileiros ficamos pensando que a cena poderia ter acontecido no Brasil, há mais de 20 anos, quando Jarre ganhou seu primeiro disco de ouro no país por Rendez Vous e cogitou pela primeira vez tocar nas terras tupiniquins…Mas o país é outro.
Fontes das fotos: Mídia Polonesa em geral\Zoolook.nl
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